Horas mais tarde, sozinha, Antônia desce no pasto. O pedaço de pau em sua mão está ali ainda por hábito. Foram vinte minutos da casa dela até o local.
Em Junho, o frio tem medo de sol. Se o sol vai embora, ele fica por aí, fazendo graça. Venta e arrepia as canelas.
O menino está com uma blusa de lã vermelha. Ainda senta no mesmo lugar em que estava de manhã, como se chocasse um ovo. Não deve ter percebido Antônia chegando; está de costas para a estrada e o vento no pasto é barulhento demais pra se escutar os passos de alguém.
Bem atrás do menino, Antônia para. Dá uma pauladinha leve no cocuruto dele.
- Ei.
O menino vira. Tem na mão uma caixinha de achocolatado, e a ponta do canudo na boca. A cara dele é redonda e queimada de sol em manchas desiguais. Não fala nada, nem parece reparar no pedaço de pau que Antônia segura junto à perna.
- Que é que cê tá esperando? - Antônia pergunta.
Ele vira de volta pro horizonte.
- Os alienígenas.
- De dia?
Soa o som pipocante do canudo chupando o ar da caixinha, com o leite chegando ao fim.
- Pra eles, acho que a hora tanto faz.
Na direção pra onde ele olha no céu não há coisa nenhuma. Antônia se coloca ao lado dele.
- O que você quer com os alienígenas?
- Dar uma coisa pra eles.
Antônia olha o chão ao redor do menino. Não há nada.
- Mas dar o quê? Cadê?
Ele não desgruda os olhos da linha do horizonte. Só ergue um pouco a caixinha de achocolatado, vazia, mostrando-a:
- Isso.
- Mas cê tomou tudo.
- Eu fiquei com sede.
E não diz mais nada. Nem Antônia, por um tempo.
O céu fica escuro rápido. É fim de tarde. Antônia senta ao lado do menino, com as pernas cruzadas. Segura o pedaço de pau em pé, entre as pernas, como uma estaca. O menino a olha pela segunda vez:
- Que é que cê tá fazendo?
- Vou esperar os alienígenas também.
Ele nota o pau ali. Seu rosto franze e incha.
- Pra quê isso?
- Hã? Ah, não, esse pedaço de pau é só...
O menino põe as mãos no chão. Está preparado para levantar. A fala de Antônia trava. Ele tem o olhar de um cão com cicatrizes.
- Calma. - Ela diz. - Se quisesse te bater, já teria batido.
Antônia força um sorriso astuto. Aponta o pedaço de pau para as bochechas gordas do menino. Dá nelas um tapa ligeiro e leve, sem machucar.
- Au!
Ele levanta e se encolhe. Antônia levanta junto.
- Viu?
De bobo que é, o menino fica esfregando a bochecha. Nem doeu. Ele arregala os olhos.
- Cê não é a... A menina que bateu no... Ali em cima...
- Sou! - agora o sorriso é de verdade. - Fui eu quem esmagou o pinto do cara.
Até o menino do pasto, que ninguém sabe nem como se chama, já ouviu do caso. Portanto, a vila inteira já ouviu.
De olhos e beiços projetados, ele olha pra Antônia. E pro pedaço de pau.
- Foi com isso que você esmagou o...
Antônia bate com a madeira na palma da mão.
- Foi, sim.
- Essa coisa suja, você bateu com isso na minha cara?
Antônia ri.
Nervoso, ele esfrega a manga da blusa de lã na bochecha. Está corado, e fica cada vez mais conforme se esfrega.
- Por que você veio aqui? - Ele grita. - Vai embora.
O menino se senta novamente. Cruza os braços. Antônia agora sente que é a única pessoa ali.
É noite. Ainda não há nenhum alienígena no céu.
- Como é que é teu nome?
Ninguém responde a Antônia.
Ela se senta de frente para o menino, de um jeito que o impede de enxergar o horizonte.
- Como que é teu nome?
O menino ainda está olhando para a frente. Mas seus olhos atravessam Antônia sem vê-la.
Inesperada, surge sua voz:
- Maurício.
Antônia estende o braço, apontando o pau pra ele. O peito de Maurício se afasta para trás.
- Maurício. Você vai casar comigo.
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Achocolatado para Alienígenas
القصة القصيرةO garoto está sempre ali, sentado na grama do pasto, esperando por um encontro com os alienígenas. Mas quem ele encontra primeiro é Antônia, a maior brigona da vila. Antônia quer uma coisa que só esse garoto pode lhe ajudar a conseguir - ainda que...