CONTO 1 - PARTE 01

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ANOMALIA


Eu estaria brincando se dissesse que tive uma noite de sono impecável. Mais uma vez, como uma maldição tempestuosa, aqueles pesadelos preencheram meus sonhos, como nuvens preenchem o céu tampando o sol.

Os corredores do hospital se alongavam à minha frente. Rachaduras se espalhavam como veias pelas paredes pulsando algo que um local como aquele não estava acostumado a receber... Porém, naquele dia em especial, aquela estrutura tinha sido preparada para suportar as dores do parto de uma mulher nada convencional, de uma mulher como Helena.

– Derek! – Eu a ouvi gritar, mas sua voz parecia fraca e distante.

Não demorou muito e eu estava correndo novamente. Todas as minhas forças carregando cada músculo, e minha perna com um potencial sobre-humano, o que não era muito anormal vindo de mim. A cada passo que eu dava, o corredor adentrava mais a escuridão e tremores iam de leves a pesados, como se dois corações batessem juntos... Um, cheio de vida, e o outro sendo tomado pela morte. Mesmo assim, tudo o que meu corpo queria era correr, chegar até aquela voz, chegar até ela.

E era naquele momento, quando eu finalmente cheguei à porta da sala cirúrgica, que uma explosão estilhaçou a vidraça e me arremessou para fora do hospital, como um saco de pano. Diversos gritos ecoavam até meus ouvidos, me ensurdecendo gradualmente enquanto minha visão era preenchida por fogo, destroços flutuantes e o puro caos. E eu acordei ofegante, como todas às vezes, quando Lucius Dracun aparecia andando no fogo, como um demônio anda pelo inferno.

O ar custou a voltar para os meus pulmões, porém consegui me recompor, afinal de contas isso não era difícil para alguém como eu. Mesmo depois de anos fora de atividade eu conseguia me manter saudável, o que era uma grande vitória para um homem de 39 anos que vive sozinho e é afastado pelo governo norte-americano.

– Na verdade, 40 anos agora – me corrigi ao ver que o relógio marcava meia noite de dezenove de janeiro de dois mil e dezessete.

Era meu aniversário, dia que eu iria passar com a minha mãe em um asilo onde ela morava. Não me entenda mal, eu amava morar com ela, era ela que não gostava de morar comigo. Acredito que chega uma idade em que você só quer paz e sossego, e um filho nunca é sinônimo disso. Pelo menos, eu acreditava que não fosse. Não tive a chance de ser pai por completo para ter esse tipo de certeza

Decidi me levantar, já que aquela era a melhor opção para começar aquela segunda-feira; foi quando meu celular apitou. Ligação grampeada da polícia local de San Diego.

"Estamos indo para o local", a policial falou assim que cliquei no botão que piscava na tela. "As duas gangues foram avistadas indo para o armazém abandonado no fim da ala leste".

Antes que ela pudesse completar, eu já estava pronto. Trajado com minha vestimenta de couro preto e pano escuro. Abri a janela do meu quarto e respirei o ar da cidade com odor de maresia. Não pensei duas vezes antes de colocar o capuz para esconder meus dreads e meu rosto.

Senti meus olhos arderem levemente enquanto ativava meus genes sobre-humanos. Aquele era o momento em que meu olhar ficava verde fluorescente e todo meu corpo ampliava suas capacidades de forma exponencial, eu estava pronto para pular daquela janela e saltar de prédio em prédio com uma velocidade surpreendente, até chegar ao armazém.


– Qual é, cara? – ouvi um dos marginais gritar dentro do galpão.

Felizmente, eu tinha percorrido os 10 quilômetros em apenas dois minutos. "Precisa entrar em forma, Derek", me adverti mentalmente. Provavelmente, se estivesse praticando frequentemente, conseguiria fazer em poucos segundos.

– Avisa seu chefe que vamos dar uma surra nele e em vocês, seus desgraçados. – O marginal da gangue oponente vociferou como um leitão.

Aquilo já estava indo longe demais. Eu sabia que aquilo terminaria em uma boa e sanguinária briga de gangues e, calculando hipoteticamente, a polícia não chegaria a tempo, o que tornava aquele um serviço ideal para um ex-agente do FBI, que precisava espairecer a mente de um pesadelo traumático.

Quebrei a janela com um soco quando as armas foram apontadas entre eles. Senti meu corpo arder com a ativação dos genes e meus músculos se fortalecerem com eles. Meu corpo se moveu com uma agilidade única, que fazia a adrenalina saltar por entre minhas veias agitadas e fervorosas. Pousei no centro do fogo cruzado quando o primeiro tiro foi disparado. Eu o ouvi antes mesmo da bala sair do cano de disparo e olhei na direção em que iria acertar. Automaticamente me movimentei como uma sombra, deixando apenas um vulto negro atrás de mim, com pequenos rabiscos de meus olhos brilhantes. Atingi um soco na face do homem que levaria o tiro e saltei para trás, desviando da bala e chutando o outro que estava com o dedo no gatilho.

O tempo de reação deles era menor do que o de um humano normal. Provavelmente estavam sobre efeito de entorpecentes, que retardavam o subconsciente reflexivo. Em média, um humano normal teria levado de cinco a três segundos para assimilar o que estava vendo, enquanto me via agir em campo, porém eles demoraram mais que um minuto, talvez. Isso me deu a vantagem de acabar com metade deles antes que algum imbecil tentasse me acertar.

Não demorei muito para impedir que eles se matassem, mas duvido que eu tenha impedido que eles saíssem ilesos. Lembro-me de ter atirado um deles no vidro, que ficava no teto, e não tê-lo visto cair novamente, provavelmente tinha ficado no telhado. Por fim, eu saí antes que a polícia chegasse ouvi quando disseram que eles estavam todos caídos, porém vivos.

Era bom agir de vez em quando... Eu tinha a vantagem de me locomover daquela maneira, apenas deixando vultos negros e luzes brilhantes no tom de verde por onde passava, como um vagalume... Algo que eu estava prestes a me tornar, novamente, quando entrei em casa e vi meu ex-chefe sentado na minha cama.

– Derek! – Ele disse meu codinome. – Como é bom ver seus olhos brilharem novamente.

– Ollie... – pronunciei, totalmente incrédulo. – O que faz aqui?

Ele levantou e me encarou, penetrante, com aquele olhar castanho imperativo.

– Preciso de suas habilidades, Derek. Preciso do Vagalume

UniversoZero - Vagalume #1Onde histórias criam vida. Descubra agora