CONTO 1 - PARTE 02

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FBI


De diversos lugares onde estive durante quarenta anos de vida, o FBI era um dos que eu menos desejaria estar naquela noite. A base de San Diego era agitada, as pessoas andavam carregadas de problemas, as máquinas faziam sons de digitação, radares e outros que zumbiam na minha cabeça já desacostumada. O cheiro daquele lugar era uma mistura de pólvora com couro desgastado.

– Bem vindo de volta, Derek.

Meu olhar recaiu sobre Olliver, conhecido como Comandante Argent, ou Ollie, para os mais íntimos. Ele já estava vestido a caráter com seu uniforme de comandante da divisão de pesquisas avançadas, seus cabelos grisalhos tampando sua testa e fazendo um leve charme com os olhos amendoados. Sua postura era sempre impecável, com os braços cruzados nas costas e a coluna ereta em forma imperativa.

– Você sabe que não é prazer nenhum estar aqui. – confessei rudemente. – Não tem um pedaço desse lugar que não me lembre...

– Eu sei. – Ele me interrompeu, erguendo a mão. – Mas eu não tive escolhas, Derek. Todos os meus gêneses estão em missões de grande porte investigativo. Você não faz ideia do número de... situações extremamente especiais que estamos tendo nos últimos tempos.

– Como assim? – indaguei curioso.

Ollie levou a mão na têmpora e a massageou, provavelmente por estresse.

– Muitos casos de pessoas com habilidades especiais estão pipocando pelo mundo. Alguns são casos bons e outros ruins, muito ruins. O FBI está entrando em alerta e investigando esses casos, usando os gêneses que tem.

– Imaginava que vocês conseguiam manter todos os habilidosos em segredo – comentei.

– Isso foi há anos, Derek. Naquela época, não tínhamos uma feiticeira russa, nem uma justiceira brasileira... E, quem diria, uma detetive de alto escalão com poderes mutagênicos.

Fiquei boquiaberto. Tive a sensação de que as coisas estavam começando a sair do controle. Quando eu ainda era ativo no FBI, enfrentei alguns semelhantes a mim, nomeados pelos cientistas como gêneses – seres humanos evoluídos que nasceram com uma genética diferente, que podem ativar genes especiais, liberando habilidades especiais. Até então, o caso mais forte que tinha visto era o de um gênese que tinha a habilidade de fazer crescer uma cauda de macaco em seu corpo. Pelo visto, o quadro atual envolvia muito mais do que isso, muito mais do que pessoas como eu.

Fui retirado de meu devaneio quando chegamos à sala dele. Quando ele abriu a porta, fiquei surpreso de tudo estar exatamente como era antes. A sala era decorada com moveis rústicos, como uma ponta de antiguidade em um prédio ultramoderno disfarçado no centro da cidade. Os móveis eram de mogno e carvalho. A mesa central possuía um computador que não parecia estar no mesmo núcleo temporal que o ambiente, acompanhado de fotos e papeladas muito organizadas simetricamente. O restante da sala era de estantes com livros, arquivos e afins. Nada que despertasse meu interesse.

Entretanto, meu olhar captou uma fotografia um pouco escondida na prateleira atrás da mesa. Andei até ela, passando por Olliver, que me encarou, pesaroso.

– Desculpe por deixar isso aí... Eu nunca imaginei que voltaria aqui. – Ele admitiu com sinceridade e uma voz travada pelo sentimentalismo.

Na foto, estávamos eu, Helena, Olliver e meu antigo amigo Kieran Wester, o Agente 33. Era uma foto antiga de um tempo que já era inabitável em minhas memórias. Ela datava de 1998, quando o meu casamento estava próximo e tínhamos acabado de solucionar um caso juntos. Foi naquele dia que Ollie foi nomeado comandante da base de pesquisas avançadas e eu capitão da equipe, o lendário...

– Vagalume! – Uma voz gritou surpresa ao entrar na sala. – Oh, meu Deus! Eu não acredito que é você mesmo.

Um jovem que aparentava ter cerca de vinte anos fechou a porta com demasiada força ao entrar, vindo desesperado en minha direção. Seus olhos negros brilhavam de empolgação como se estivesse vendo um grande astro do rock bem na sua frente.

– É um prazer imenso te conhecer, camarada! – Ele disse puxando minha mão a um cumprimento, antes que eu pudesse reagir. – Meu Deus, eu conheço tudo sobre você!

Reparei no traje que o garoto usava. Era todo preto, diferente do uniforme tradicional, que costumava trabalhar com um azul escuro ou tonalidades de cinza. Aquilo me pareceu extremamente sugestivo.

– Eu não diria tanto. – O Comandante Argent pestanejou. – Derek, esse é Thomas, o nosso...

– Espião informativo – supus.

Thomas olhou para mim e depois para Olliver com pura fascinação.

– Como descobriu?

– Pelas suas roupas – expliquei. – O FBI não é muito inovador com uniformes, foi fácil perceber a sua função.

– Faz sentido. – Thomas admitiu.

Ollie limpou a garganta como forma de chamar a atenção para ele. Thomas finalmente tinha largado minha mão e assumido uma postura completamente profissional, o que me deu satisfação por saber que os jovens agentes ainda eram respeitosos. "Mas também, com um comandante como Olliver, não tem como sair da linha", analisei mentalmente.

– Acho que é hora de saber por que preciso de você, senhor Fairblack. – O comandante falou por fim.

Ele apertou um botão em sua mesa que fez uma projeção holográfica de imagens, documentos, e outras coisas que não soube identificar de primeira instância. Então, Olliver não demorou a explicar a situação:

– Esse é Nathan White. – Ele disse ao mesmo tempo em que a foto desfocada de um agente apareceu no holograma. – Ele foi enviado para investigar o tráfico de uma nova droga que anda circulando pelo mercado negro e causando problemas mentais irreversíveis em seus usuários.

A imagem de um comprimido apareceu acima da foto, que foi colocada para o lado, acompanhada de dados científicos, gráficos e outras coisas relacionadas. Dentre os efeitos causados, pude ler coisas como alucinações, perda de memória e perda de sensibilidade neural, antes que Thomas começasse a falar.

– Acredito que pode ler alguns sintomas que a droga causa em seus usuários, porém a lista é extensa e alguns desses sintomas variam de um usuário para outro, o que complica bastante seu estudo. – Ele fez uma pausa e acenou com a mão, fazendo o holograma mudar para diversas fotos de pessoas em estado catatônico em cima de macas de manicômios. – Entretanto, uma coisa é certeira em todos os casos de seu uso...

– Há psicose. – Olliver completou. – Todos ficam severamente doentes, e acabam dessa maneira.

Balancei a cabeça em desaprovação. Aquilo era definitivamente terrível. Não se comparava às coisas que eu tinha presenciado nas ruas durante os dezenove anos em que tinha me afastado.

– E onde eu entro nisso tudo? – Questionei impaciente.

– O Agente White esteve buscando informações e não dá sinais de estar vivo há mais de três semanas. Conseguimos descobrir que a última vez que foi visto foi entrando em um bar em um local afastado de Dallas – Olliver explicou. – Nossos agentes que vivem lá descobriram que ele tinha sido capturado e estava sendo torturado para extração de informações. Acreditamos que ele ainda não está morto.

– Mas por que eu? Por que não mandou outros agentes com reforços? – Indaguei, irritado por não entender meu propósito ali.

Olliver fez uma pausa e suspirou. Não era um bom sinal.

– Porque descobrimos que o dono do tráfico recebe ajuda direta da Belich Inc., a empresa de Lucius Dracun. 

UniversoZero - Vagalume #1Onde histórias criam vida. Descubra agora