capítulo 4

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   Eu definitivamente não queria vê-lo, não faria bem para mim, mas mamãe disse para eu não ser mimada e essa é uma das únicas coisas que eu não quero ser. Quando cheguei em casa, tomei banho e coloquei um vestido florido azul, um pouco acima do joelho e um chinelo. Não queria me arrumar demais para ele pensar que eu quero vê-lo, mas também não quero estar desengonçada a ponto de não me portar como devo, educadamente, assim o ofendendo ou ferindo seus sentimentos. Por que estou me importando?
   - Filha! - mamãe está com um macacão super chique, um coque bagunçado, que é um charme e uma maquiagem fraca. - Você está linda! Vamos?
   - Claro! - respondo com um sorriso sincero.
   Sempre quis conhecer o meu pai, mas depois dos meus 14 anos esse interesse morreu. Eu pensava que ele era um pobre coitado, que tinha vergonha do que as pessoas iriam falar por ele estar com a minha mãe que tem uma ótima estabilidade financeira, mas aos 14 anos ouvi uma ligação da minha mãe, sem querer, pela outra linha do telefone e a conversa consistia em ela falando com um cara super importante e ao final da ligação ele me citava como "filha". Eu fiquei muito brava, ele é tipo o Steve Jobs, podre de rico e agora não quero mais conhecê-lo, mas o farei pela mamãe. Fomos até a sala de estar e ele estava lá.
   - Olá filha! - ele é encantador, não posso negar, tem alguns fios de cabelo grisalhos e uma voz firme e grossa, olhos verdes que mais parecem esmeraldas, me lembram os olhos de Josh, olhos ambiciosos. Usava uma camisa social azul com dois botões abertos, uma calça jeans despojada e um sapatênis marrom, o tipo que diz "já tenho tudo, não preciso impressionar ninguém", o analisei da cabeça aos pés.
   - Oi senhor. - o cumprimentei seca e educadamente e me sentei. Aquele "filha" havia me incomodado de fato e eu não consegui evitar demonstrar um pouco de raiva na voz.
   - Pode me chamar de pai se quiser.
   - Prefiro... qual o seu nome?
   - José.
   - José então.
   - O jantar está servido senhora. - Clara se dirige à minha mãe e fala algo em seu ouvido e depois saiu em direção à cozinha.
   - Gostaria de me contar algo sobre você?
   - Algumas coisas, por quê não?
   Contei algumas coisas da minha infância até certo ponto - contei apenas o necessário -, contei das viagens que costumava a fazer com a mamãe, por exemplo a vez que fomos ao Brasil - que foi onde eu nasci, porém vim para os Estados Unidos quando tinha meses de vida - quando tinha 8 anos, apenas coisas superficiais. Eu estava me dando uma chance de conhecê-lo como pessoa, já que ele não tinha chance alguma como pai.
   - Isso é ótimo - ele disse rindo após eu contar  a vez em que fui em um parque aquático e caí no tanque dos tubarões e era uma paisagem maravilhosa, sorte que havia um monitor por perto. -, mas perigoso.
   - Eu fiquei desesperada! - mamãe disse com a mão no coração.
    - Pelo menos eu sobrevivi.
   Acabamos de jantar e fomos até a sala novamente. Pelo menos a noite não tinha sido tensa, estou muito feliz de não ter sido rude com ele, apesar de merecido o ato.
   - Eu já vou. - digo apontando para o elevador com o polegar.
   - Vamos conversar um pouco mais, filha.
   - A gente precisa contar nossos planos para você. - mamãe diz enquanto segura minhas mãos e me guia até o sofá, então eu me sento.
   - Planos? Quais planos? - me levantei do sofá depressa e extremamente assustada.
   - Quero que venha morar comigo para me conhecer melhor e...
   - NUNCA! - o corto antes de terminar aquela ideia absurda. - Olha, você pode até ser podre de rico e ter estabilidade para alimentar umas 5 gerações, mas não é de dinheiro que eu precisei e também não preciso agora, você nunca comprou uma fralda para mim, nunca esteve presente em nenhum dos meus 17 aniversários, nunca me deu tapinhas nas costas quando eu engasgava, nunca se importou comigo ou com a minha mãe. Você acha que pode vir aqui e dizer "aí, eu sou seu pai e mando em você, vamos embora para Londres agora mesmo".
    - Eu sei, filha me perdoa, eu...
    - Não, eu não sou mais capaz de te perdoar. - fiz uma pausa. - Olha, eu gostei de você como pessoa, mas você nunca será o meu pai, se te tratei bem foi pela minha mãe e também eu gosto de oferecer o meu melhor às pessoas, sejam quem são. Eu não quero que você faça parte da minha família, depois de tantos natais te desejando vejo que agora é tarde! Me deixa em paz. - caramba, eu fiquei muito parecida com uma garotinha mimada quando entrei no elevador os deixando sozinhos e também quando bati a porta do quarto me encostando nela e escorregando até o chão junto às lágrimas. Não quero conviver com ele, não posso fingir isso, o odeio como pai.
   Peguei meu celular e haviam milhares de mensagens da Tiph. Ela deve estar preocupada, contei à ela sobre o jantar com o... O carinha lá.
   Tiph: " E aí???"
             " O que você vai fazer?"
             " Foge daí, vem aqui pra minha casa."
             " Me responde!"
             " Sabe que não gosto de te ver triste."
             " Eu quero e posso te ajudar."
             " Vamos Áurea!"
             " Oh droga, estou indo aí, me dá 1h."
   Essa ultima mensagem ela me enviou há 40 minutos. Mais de trinta minutos se passaram e nada dela chegar, achei estranho porque ela costuma ser bem pontual, até demais as vezes.
    - Bu! - ela entra no quarto com um pulo.
    - Ah! - finjo ter me assustado. - Quase me mata do coração.
    - Sem graça.
    - Entrou pela porta dos fundos?
    - Sim. - ela diz enquanto estende em minha direção o molho de chaves da minha casa. - Mas que história maluca é essa de você ir morar com ele?
   - Mas como você...
   - Por que acha que eu demorei? Estava escutando a conversa deles lá embaixo.
   - Mamãe enlouqueceu de vez, não acredito que ela vai permitir algo assim!
   - Ouvi seu pai dizer que pode te dar o melhor, tipo UCL ou algo assim.
   - UCL? Tá falando sério?
   - Eu sei que é seu sonho, mas a gente já falou sobre méritos próprios, se lembra?
   - Isso! Méritos próprios, okay. - UCL é a universidade dos meus sonhos, mas quero consegui-la por meus próprios esforços e não porque alguém com influência suficiente me empurrou.
   - Quer dar uma volta? - ela estende a chave do seu carro em minha direção. - Você dirige.
   - Okay. - uma luz se acende. - Vamos usar nossas novas identidades!
   - Então partiu!
   Será uma noite longa e divertida, eu tenho certeza.

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