Entre um lampejo e outro de consciência, sinto uma fina corda me puxando para o mundo real. Agarro-me a ela. Na escuridão dos sonhos, um mantra soa como se fosse uma música mal ajustada: venha me encontrar, minha flor.
Quando consigo me arrastar de volta ao mundo real, me puxando através daquela corda fina, sinto meu corpo protestar. Abro os olhos devagar e vejo que continuo naquela carroça horrível. Meus lábios tremem, e consigo ver minha respiração, mesmo com todos os cobertores em cima de mim.
Escuto alguém murmurar alguma coisa e sinto conforme passos sacodem o chão de madeira. Minutos depois, sinto algo em minha boca. Tento protestar que não quero nada, mas quando sinto o gosto da água, percebo que é a coisa mais maravilhosa que já tomei.
Eu me engasgo. As mãos que me seguravam levam meu corpo para frente, para que eu me sente.
As mãos fortes agarram minha cintura e minha nuca. Abro os olhos e fico quase cega com a iluminação. Protesto baixinho.
— Finalmente voltou ao mundo dos vivos, majestade.
Por que não estou surpresa com quem está sustentando meu peso? As ondas de seu divertimento vêm até mim, assim como as de... Preocupação? Ele está preocupado comigo de verdade?
— Quanto tempo? — Minha garganta dói quando falo. Ela raspa e faz com que minha voz não saia mais alta que um sussurro.
— Três dias, mas conseguimos tirar o veneno do seu organismo a tempo.
— Veneno? — Minha cabeça roda com a palavra.
— Parece que a pessoa no baile não estava apenas tentando te dopar, majestade. Um dos seus amigos nobres tentou te matar.
Eu poderia dizer que foi ele ou um de seus homens que causou isso, mas não faria sentido. Para qualquer um deles, mesmo com meu comportamento, eu teria mais utilidade viva. Contudo, ele pode estar mentindo também... Minha cabeça volta a doer. As ideias se mesclam, rostos e títulos se misturam na minha cabeça. Tenho a sensação de que vou ter outro desmaio.
— Vamos lá, alteza, preciso que coma alguma coisa. Se continuar fraca assim, não vai conseguir se recuperar.
Ainda estou naquela bolha de semiconsciência, portanto não sei se grito com ele mentalmente ou oralmente. Qual o sentido dele se dar tanto trabalho para que eu fique viva? Estou longe de Jannat, longe de casa, longe da corte, longe de Jake. Eu sou inútil aqui. Ele disse que estava me levando para longe para conseguir um bom resgate por mim.
— Você irá se recuperar, majestade, queira ou não — fala ele, e eu suspeito que tenha feito pelo menos um pouco das minhas perguntas.
Ele enfia alguma coisa na minha boca, tem gosto de frango. Engulo com dificuldade, e ele coloca outra.
Quando termino, ou acho que termino, ele me pega no colo, com os cobertores ainda enrolados no meu corpo.
— Onde? — pergunto e desta vez tenho certeza de que minha voz sai.
— Vamos fazer uma pausa até que você consiga voltar a me insultar.
Isso não faz sentido, eu estar bem ou não, isso não faz diferença nenhuma para um ladrão. Não faz sentido nenhum, mas deixo os protestos de lado quando o escuro me puxa mais uma vez.
***
Quando sinto os lençóis macios entre meu corpo e um colchão macio, tenho certeza de que foi tudo um sonho. Ainda mais com o cheiro gostoso que sinto de algo parecido com a mistura de canela e fumaça, uma mistura estranha, mas que fico feliz em sentir.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Crônicas dos Descendentes: A Guardiã (DEGUSTAÇÃO)
FantasyO LIVRO APENAS PARA DEGUSTAÇÃO A jovem rainha de Érodion, Kiara Margareth Rosalina Bennet, luta para manter a paz em seu reino após a morte de seu pai. Dotada de poderes mágicos únicos, ela enfrenta a desconfiança dos nobres enquanto tenta proteger...