Piloto

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Estou muito ofegante, mas não posso parar de correr. É meio dia em ponto. Estou correndo pela rua, voltando para casa depois de um dia exaustivo na escola, sob o sol quente. O mormaço está a queimar meu rosto.
Enquanto corro, a mochila bate fortemente nas minhas costas.
Avisto minha casa de longe. Suspiro aliviado. Agora posso andar calmamente.

- Mãe?? - a chamo abrindo a porta de casa.

- Aqui em cima, filho. - ela responde do segundo andar.

Subo as escadas calmo, vou em direção ao meu quarto, quando vejo minha mãe dobrando as roupas recém lavadas na minha cama. Dou-lhe um beijo na bochecha e ela pergunta:

- Como foi a escola nova, anjo? Fez amizade com alguém? Tem alguma menina bonita?- Ela fala fazendo uma cara de interesse, e levantando a sombrancelha.

- Primeiro, Foi chato. Segundo, não, não sou de fazer amizades assim no primeiro dia. Terceiro, não sei. - respondi deixando a mala num canto do grande quarto, e tirando a camiseta molhada de suor.

- Como assim não sabe, Conor? Ninguém veio falar com você? Te maltrataram? Fizeram bulling com você de novo? Porque se fize...

- MÃE - eu a interrompi - Ninguém me fez nada. Vieram falar comigo sim, mas eu não quis papo. As pessoas de hoje em dia não tem conversas interessantes como antigamente. E sinceramente... Daquela escola, eu só quero passar de ano invisível,  despercebido. - respondi, mas senti um olhar de tristeza no semblante de minha mãe.

- Conor, eu já te contei como foi quando você nasceu? - Diz ela com a voz totalmente doce.

- Já mãe. Você falou que sangrou, e sangrou, e disse que o médico ficou espantado pelo tanto de sangue que havia perdido, mas nois dois estávamos bem. E que gritou loucamente na hora do parto.

- É verdade... Saudades, Dr. Rodrigo. Ele me ajudou muito quando as partes lá de baixo estavam sangrando horrores e eu estava desesperada porque sua cabeça já estava pra for...

- Mãe? - interrompi seus pensamentos.

- O que foi? - ela olhou espantada.

- Sem detalhes, por favor - eu disse com a voz baixa - vou tomar um banho se não se importar.

- Tudo bem filho, estou indo me trocar para ir trabalhar. Hoje voltarei à noite. Fiz lasanha para você, está na geladeira.

- ok mãe, bom trabalho então. - disse fechando a porta do meu quarto e piscando um olho para ela.

Agora eu estava sozinho. No meu quarto. Não tenho nada para fazer hoje, então pensei em escrever uns capítulos do meu suposto "Livro", depois do banho.
Ao adentrar no banheiro, já nu, me olho no espelho no canto que pega o meu corpo todo. Chego mais próximo para ver se há alguma mudança que ainda não tenha percebido. Nenhuma.  Apenas uma pequena espinha que ameaçava aparecer em minha testa. Não ousei espreme-la. A cobri com uma mecha de cabelo preto que caia em meu rosto.

Ligo o chuveiro no máximo de pressão. O Jato era quente, muito quente. Coloquei os braços e os retirei rapidamente. Diminui a temperatura e assim entrei na água morna.
A água estava caindo nas minhas costas e nas minhas cicatrizes. Que felizmente não me incomodam mais. Ou eu acho que não. Não sei se sinto falta das lembranças que elas me trazem. Não posso dizer que meu passado era conturbado, porque tem pessoas que passaram por coisas muito piores que as minhas. Mas sei que uma criança apanhar todo dia, de uma mãe que era viciada em álcool não era normal.
Agora, as lágrimas quentes se misturam com a água morna do chuveiro.

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