Capítulo III

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"Está tão ensolarado que, olhar para cima, vai me machucar" - eu penso, andando pela rua, sob o sol quente.

Mesmo assim eu olho, e a sensação não é tão ruim. O céu está limpo. Nem sinal de nuvens. Não é ruim, mas também não é bom.
Apesar de eu não gostar de dias ensolarados, hoje estou animado. O sol escaldante queima cada centímetro do meu couro cabeludo. Estou suando tanto.

Abrindo a porta de casa, o vento gélido me refresca por um instante e então eu sinto o cheiro, amadeirado, como madeira cortada a pouco tempo e envernizada à pouco tempo. Isso é tão bom. A sensação de cansaço vai embora, e então subo para meu quarto, procurando por atividades humanas recentes. Nenhuma. Ninguém em casa.

Ao olhar pela janela, escuto alguns barulhos na casa do vizinho e então vejo que estão de mudança. Será que os vizinhos novos vão fazer barulho como os antigos faziam? Espero que não.

Entro no banho. Água gelada...
Cada músculo do meu corpo se contrai ao entrar em contato com o líquido refrescante.
No meio do banho, minha barriga ronca. Estou faminto.

"Será que há alguma coisa na geladeira para comer?" - penso eu, interrompendo o banho no mesmo momento. Me enrolo e me seco na toalha macia.
Já vestido, vou até a cozinha, e abro a geladeira. Minha mãe fez strogonoff.
Pego um pote grande e ponho uma quantia generosa nele.

- Ai que felicidade. Eu vou comer tudinho - falo para mim mesmo lambendo um dedo que sujei na comida.

Minha mãe sempre deixava comida para mim, antes de sair para trabalhar. Ela cuida de mim como uma pérola. Amo o jeito que me trata.
Quando a vizinha da minha falecida mãe não conseguiu mais cuidar de mim, ela me levou para um orfanato.

Um pequeno casebre, numa rua sem saída, calmo com apenas 5 crianças.
2 meninos e 3 meninas. E agora, eu.
A diretora do local era gentil com todos, mas um em especial, o seu filho Liam. Um molequinho que não parava um segundo sequer. Ele puxava o cabelo das meninas, que brincavam de boneca, quietas.

Sempre fiquei no meu canto, cantando baixinho, músicas que minha mãe havia me ensinado no passado. Sempre rejeitei os convites para brincar de jogar bola, ou ir brincar no parquinho com as meninas. Só queria ficar comigo mesmo. Até que um dia, eu saí do quarto. Cansei de ficar deitado. O que me fez ter essa determinação eu não sei... Talvez foi por que não havia ninguém em casa. Tinham ido ao mercado.

O parquinho ficava na frente do orfanato, cuidadosamente feito para nenhuma criança se machucar. Era incrível. E lá estava eu. Brincando na areia, e sujando a minha roupa pela primeira vez. Sozinho. Mas eu me divertia, era legal. Até que um carro azul escuro parou na frente do portão enferrujado. Uma moça jovem e bonita, de cabelos claros me olhou e disse:

- Ei, jovenzinho? Sabe se tem alguém em casa? - ela perguntou com a voz doce.

- Não - eu disse - eles foram no mercado.
Por trás da minha voz, eu sentia medo. Medo, porque aquela louca podia ver uma criança sozinha e me sequestrar, ou roubar as coisas do orfanato.

- E você ficou protegendo a casa sozinho? Quanta coragem. - disse ela me exaltando.

Não tava gostando dos papos dessa louca. Porque ela tava me perguntando aquilo? Meu deus. Socorro.

- Fiquei. - eu disse abrindo a porta, mas mantendo contato visual - Mas agora eu vou entrar. Tenho que tomar banho. Quando eles chegarem tenho que estar limpo. Ade...

- Espera...- disse a moça - tem algum problema eu ficar esperando, aqui? Eles voltarem?

MEU DEUS, ME DEIXA ENTRAR TIA, EU TÔ COM MEDO.

- Não... Pode ficar. Agora eu tenho mesmo que entrar. Tchau - eu disse fechando a porta.

Ela me dava arrepios.

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Agora sentado no tapete jogando video-game, eu lembro dessa história como se fosse ontem. Escuto a porta da sala ser destrancada, e vejo minha mãe. A mulher estranha que me adotou. Assassina de crianças. Me matava com o amor dela.

- Oh filho, está sentado nesse chão duro? Sente se no sofá - diz ela me dando um beijo no cabelo - como foi o seu dia?

- Oi mãe. Estava com saudade. Foi legal, e o seu? - Eu disse alegremente, e eu realmente estava com saudade dela.

- Foi exaustivo. Você não acredita no que meu chefe me fez fazer hoje. Estou conturbada.

Minha mãe é esse tipo de pessoa que quando chega, já chega com um assunto para se discutir.

- O que ele te fez, mãe? Fez alguma coisa ruim pra você? - questionei preocupado.

- Ai... Conor. Ele me fez coçar as costas dele. Que nojo.

Alexander. Esse era o nome do chefe da minha mãe. As vezes ela chegava falando dele, e falava o jantar inteiro. Mas eu gostava de ouvir, era engraçado. Ele é gordo e na sala dele, não tem janelas nem nenhum tipo de ventilador. É uma marmita. E assim, ele suava como se estivesse dentro de uma.

- Nossa mãe. Isso já é exagero da parte dele. Onde já se viu? Que horror. Você pelo menos lavou a mão depois de tocar nas costas suadas dele? - perguntei fazendo uma cara de nojo, franzindo o cenho.

- Conor. Olha pra mim. Eu tenho cara de quem conseguiu almoçar hoje, por causa disso? Eu sai e comprei álcool em gel, e fiquei o dia todo passando na mão. Ui, me arrepio toda.

Nossa conversa nojenta foi interrompida por gritarias na rua, e então fui lá ver.

- Ah, é só o novo vizinho com a mudança. Você viu? Vamos ter vizinhos novos. - perguntei olhando para ela e fechando as persianas.

- Eu vi. E um passarinho me contou que eles tem uma filha. E que é bonita. Talvez estude na sua escola. Quem vai criar amizade primeiro, eu ou você?
- ela pergunta e eu a olho incrédulo.

- Carmen, as vezes você me assusta. Vou ficar bem quieto, na minha. E você sabe que não quero nem namorado, nem namorada - disse sentando ao lado dela no sofá.

- Eu sei, my boy. Mas vai chegar uma hora que seus hormônios vão estar a todo vapor e vai acontecer de voc...

- NÃO COMEÇA - a interrompi - não começa com esse papo de adolescência, por que eu já escuto isso na escola. E é um lugar que não posso fugir.

- Mas será que eles vão ser legais? - ela pergunta, dando risada da minha cara.

- Talvez... veremos.

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⏰ Última atualização: Feb 19, 2018 ⏰

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