Capítulo 6

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VINTE E UM Mente obscuraCapítulo FC (focado no Carter)


O impacto do pequeno frasco contra o chão foi o único som possível de se ouvir.
Os comprimidos saíram pela tampa que estava aberta e se esparramaram pelo chão frio. A mão de Carter caiu de um dos lados da cama, imóvel. Seu corpo estava jogado, de bruços. Seus olhos foram se fechando aos poucos; ele tinha certeza de que demoraria para acordar. Era o que mais queria. As palpebras adquiriram um peso insuportável e sua boca se tornou seca, o obrigando a passar a língua pelos lábios antes de se entregar a escuridão. A confortável escuridão.

"Dormir é um alívio, acordar é um pesar. Por dentro, dói; por fora, finge não sentir. Ele é o leite derramado, a casa desmoronando, o coração partido. Não existe volta, não há resgate. A depressão é apenas uma amiga, a escuridão esconde a verdade. Verdade que ele não quer enxergar."

(n/a: Coloque do Placebo para tocar!)


Quando seus olhos se abriram, ele não encontrou mais o seu quarto. Era uma paisagem diferente, distante e quente. Toda uma área verde entrou em foco, e então Carter percebeu que estava na parte superior do que só poderia ser uma colina. O sol estava alto, estava se chocando com sua visão, o obrigando a cobrir o rosto com uma das mãos. Assim que o fez, se assustou ao perceber que algo estava faltando em seu corpo. Estendeu os dois braços e franziu o cenho, se perguntando onde estavam suas tatuagens. Seus braços estavam nus, exatamente como não os via há muito tempo. Ele desviou sua atenção e olhou ao redor novamente, virando o corpo e procurando por algum sinal de vida. Precisava de uma explicação para estar naquele lugar e para os desenhos sombrios que sumiram de seus braços. Um súbito vento se chocou com o seu rosto, ele tentou caminhar para longe, se livrar do que parecia ser o começo de uma tempestade. No entanto, quanto mais corria, mais se via perdido. Tentava gritar por ajuda, mas não conseguia abrir a própria boca. Quando se deu conta, já não estava mais no topo de uma colina, mas sim em terra firme. Era como estar diante de uma cidade abandonada.
- Perdido? - uma voz suave e feminina surgiu do nada e Carter procurou por todas as direções possíveis. Pela primeira vez, sentiu que conseguiria falar.
- Onde eu estou? Estou morto? - sua voz estava assustada e ao mesmo tempo grave. Percebeu que uma mulher se aproximava, caminhando despreocupadamente pelo concreto daquele lugar. Ela demorava demais para chegar perto, como se estivesse caminhando em vão. Carter tentou juntar forças em suas pernas e correu até ela, parando diante do figura feminina que usava um longo vestido de cor cinza. - Isso é o paraíso? - a criatura angelical a sua frente soltou um risinho, balançando a cabeça negativamente.
- O que lhe faz pensar que merece o paraíso, Carter?
- Esse lugar não se parece com o inferno. - ele disse, se dando a oportunidade de analisar tudo por uma última vez.
- Você já esteve no inferno para saber como é? - ela cruzou os braços e depois de um tempo, esperança por uma resposta de Carter que não veio, revelou o papel que segurava em mãos. Depois de passar os olhos pelas várias palavras, olhou Carter mais uma vez, respirando fundo antes de começar a ler em voz alta. - Carter Frederic Stone, 23 anos. Nascido em Paris, durante uma viagem a trabalho de sua mãe. - ela parou de ler e ergueu os cantos do lábios. - Paris? Isso explica o seu lado cavalheiro. É francês! - logo continuou a ler. - Contudo, ela não imaginava que seu filho nasceria aquela semana, foi um susto. Ele foi uma criança hiperativa e alegre, contagiava a todos com o sorriso ingênuo e ao mesmo tempo carregado de uma inteligência precose. Infelizmente, passou a demonstrar comportamento estranho aos 12 anos, após matar um rato de laboratório. - ela parou de ler mais uma vez e levantou o olhar para ele, que parecia desconfortável com o que estava ouvindo. - Ok, acho que está na hora de mudarmos de direção. - dizendo aquilo, a estranha criatura desapareceu. E tudo ficou escuro.

Carter se sentiu cego por um instante e seus globos oculares arderam quando seus olhos se abriram totalmente.
Estava dentro do que parecia ser o corredor de um hospital. A mesma mulher de antes caminhava com a mesma calma da cena anterior, só que estava vestida como se fosse uma enfermeira. Ela lhe lançou um olhar que sugeria "Venha comigo" e assim ele fez, sem objeções. Os corredores claros e movimentados foram dando lugar a corredores sem iluminação e em total silêncio, assim como o cheiro de mofo que fazia seu nariz arder. Carter olhou para os braços mais uma vez, acreditando que suas tatuagens estariam de volta. Não.
- Vai me dizer seu nome? - ele perguntou a mulher, que parou diante de uma porta, cujo uma placa metálica indicava ser o necrotério. Ele se assustou ao ler aquilo e se perguntou se estava prestes a ver o próprio corpo.
- Consciência. - ela puxou a porta e um ar gelado saiu pela mesma, juntamente com um cheiro de limpeza e de substâncias químicas.
- O quê? - Carter a seguiu, entrando no recinto mal iluminado.
- Eu sou a sua consciência. Não tenho nome, mas, se quiser, pode me chamar de atormentada ou assustada, assim como a sua face está agora. - os olhos de Carter estavam arregalados e sua boca entreaberta, na tentativa de tentar soltar alguma pequena frase mal formulada. O que estava diante de seus olhos lhe provocou um embrulho cruel no estômago, como se pudesse vomitar a qualquer momento. O corpo sobre uma mesa retangular de metal estava coberto por um pano branco, mas apenas até a parte do tórax. A mulher - ou consciência de Carter - se aproximou, não se mostrando intimidada com nada que via. Ele hesitou antes de dar um passo para frente e também se aproximou, se perguntando o que passava por sua cabeça quando cometeu aquela atrocidade.
Ela pegou uma espécie de prontuário que estava ao lado da mesa de metal e leu rapidamente, o colocando em seu lugar de volta.
- Jared McDowell... Por acaso já ouviu esse nome? - o tom de vez deixava claro que aquela era uma pergunta retórica. Carter sentiu algo queimar bem no centro de sua cabeça e fechou os olhos, deixando um grunhido abafado escapar de sua boca. De maneira respectiva, todas as cenas que formavam a noite do assassinato de Jared McDowell vieram em sua mente. Desde o momento em que deixou a loucura domar seu corpo, até o momento em que a faca deslizou desempedida pela garganta do falecido.
Ele olhou naquela direção, enxergando os enormes pontos dados no pescoço do homem. Seu rosto estava pálido e com um leve tom roxo. Sem querer, a mão de Carter encostou no ombro do corpo, e ele conseguiu sentir como estava gelado.
- Eu... Eu...
- Por que você fez isso? Pode esconder tudo de qualquer um, mas não de mim. Seria como esconder de si mesmo. - a dor em sua cabeça ganhou mais intensidade, então ele levou as mãos até a mesma, caminhando de costas até a parede mais próxima e deixando seu corpo cair, indo parar sentado no chão. - Carter, por que tirou a vida de uma pessoa que nunca lhe fez nada? Gosta de brincar de Deus? Vamos, diga o motivo!
- EU NÃO SEI! - ele berrou, sentindo os olhos marejados. Não sabia o que estava acontecendo com seu corpo, suas mãos formigavam e sua cabeça parecia prestes a explodir. - Eu... Não consigo evitar, não é algo que eu possa controlar. É como se algo ruim entrasse no meu corpo e guiasse os meus movimentos. Enquanto eu passava a faca pelo pescoço dele, uma voz dentro de mim gritava, me deixando surdo... - ele arfou, sentindo uma dificuldade repentina para respirar. - Ela me tirava do sério, me obrigava a descontar minha raiva em qualquer coisa que estivesse por perto.
- Raiva do quê?
- De tudo.
- E o que vai me dizer? Que, quando fere alguém, na verdade não é você que está fazendo isso? É seu corpo sendo controlado por uma outra força?
- Eu não sei. - Carter rosnou as palavras, olhando como um psicopata para a imagem da mulher. Ela fechou os olhos e deixou que uma expressão de decepção tomasse seu rosto.
- Não temos mais nada para fazer aqui, levante-se. - com dificuldade, ele se levantou, estava com tontura. Caminhou com passos desgovernados até a mesa de metal mais uma vez e se aproximou do corpo, deixando que uma única lágrima caísse.
- Me... Me desculpe.
- Ele não vai ouvir você, Carter. É tarde demais.
Tudo ficou escuro novamente.

SecretaryWhere stories live. Discover now