❝ingluvies❞

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Gula.

Eu deveria soar imensamente maldoso por cada palavra que desliza por meus dedos nesse momento; no entanto, ele mereceu. Nossa próxima história, caro leitor, é grotesca, sodômica, indigerível; que prende-se na boca do estômago e dói ao sair. Talvez assemelhe-se à um conto coprofágico, como Salò. Ou talvez não. É como uma apetitosa comida que, em um intervalo de dias, se apodrece. Uma maçã, vívida e vermelha por fora ㅡ mas repleta de vermes por dentro.

Gangnam, 4 de novembro de 2018.

Consegue ver, leitor? É a nossa figura principal de hoje! Dentre a negritude do cômodo, pode ver a figura pálida, dócil e adorável em destaque? Ele estica um grande cálice de cristal, cheio até o topo de vinho avermelhado e adocicado. Ele está no centro de uma mesa luxuosa. Há lustres acima de sua cabeça; e há mais comida do que até eu poderia comer por ali. E, entre todas elas, há a favorita do nosso personagem principal. Gosto de carne de porco. Ele sorri, enquanto corta a carne cuidadosa e meticulosamente com talheres de prata. Carne, pão, compartilhando o vinho.

Ele caiu bem profundamente, sabe?

Nosso personagem tem os cabelos róseos voando sobre os olhos, e um terrível sorriso feliz estampado em seus lábios cheios. Kim Seokjin é mais do que um belo rosto e belas palavras. Digo isso porque eu mesmo o ajudei a tornar-se o que é. Sabe, leitor, ele nem sempre fôra dessa maneira; e talvez você esteja concordando com as opiniões de vários quando dizem que o passado o moldou. Mas o verme, a maldade, sempre está à espreita, desde a formação; e Seokjin não era imaculado.

Ao final de tantas considerações sobre Kim Seokjin, devemos logo começar a ver um pouco sobre quem ele foi, certo?

Busan, 3 de setembro de 1998.

A pequena criança está à esquerda de seu pai. O homem mais velho, de barba e olhar galanteador, sorri para as câmeras que insistem em conseguir um pouco da atenção da família Kim. Após o falecimento misterioso da esposa, a criança, Seokjin, tornou-se alvo das fofocas e bode expiatório do mundo inteiro. Seu pai, dono de um cargo político importante, deixou as lamúrias enterradas debaixo da terra juntamente à sua mulher. Naquele momento, cortejava algumas garotas de vestidos curtos e olhos grandes.

Jin assistia tudo de maneira incrédula. Os olhos, pouco a pouco, processando as informações. As mãos bobas, as sujeiras na palavra, a comida que mal descia por seu estômago e já queria-o fazer vomitar. Aquilo era nojento. Os talheres de prata reluziam. Vendo a expressão de desgosto do filho, o senhor Kim, extremamente íntegro em frente às câmeras, aproximou-se do pequeno e franzino Seokjin de cabelos negros e sorriu, rente ao pé de seu ouvido.

ㅡ Trate de se comportar bem, Seokjin. Seria um tremendo escândalo descobrirem que você e... bem, entendeu?

Jin suspirou profundamente, deixando os talheres em cima da comida mal tocada. Os olhos transmitiam todo o nojo que sentia. O som da prata colidindo contra a louça fez todos os olhares das pessoas banhadas em luxo voltarem para si. Apesar de sentir medo dos julgamentos, näo se importou. Levantou-se, sem coragem alguma para encarar as câmeras; e, com sua cabeça baixa e o olhar em fogo, ignorou os chamados de seu pai.

ㅡ Desculpem-me, perdi a fome.

Gangnam, 4 de novembro de 2018.
Três da manhã, residência Kim.

ㅡ Vai mesmo terminar com isso?

O tom de voz foi baixo. Seokjin apenas assentiu, deixando um selar nos lábios grossos e então o viu ir embora. Em suas mãos, havia um objeto prateado, iluminado pela luz da lua. Em seu olhar, havia decisão, frieza e ódio. Ele näo poupou esforços em conseguir a mais bela e amolada faca da cozinha naquela madrugada. Eu estava à espreita, sorrindo de maneira contida. Jin havia me encarado. Um ㅡ apesar de nervoso ㅡ dócil e livre sorriso moldou-se em seus lábios. Pus a mão em seu ombro direito.

ㅡ Faça o que achar correto.

ㅡ Assim farei.

Os passos de Seokjin eram curtos. Ele não tinha pressa, entretanto. Seu olhar era fixo no quarto dentre todos os outros do enorme corredor. Estava descalço; e podia-se ouvir trovoadas do lado de fora da janela. Uma tempestade dominava a cidade, tornando todas as flores retorcidas e todos os animais amedrontados, misturados dentre a chuva e a lama.

Uma semente imita os passos de sua fruta.

Com mãos trêmulas, Seokjin abriu a porta do quarto e pôde ouvir os barulhos baixos do sono de seu progenitor, senhor Kim. A tempestade iluminou o corpo esguio e de ombros largos do Kim mais novo; enquanto dava novos passos. Vez ou outra, um resmungo sonolento saía gutonalmente de seu pai.

Aproximando-se, aproximando-se, aproximando-se. Aproximando-se, aproximando-se...

Gangnam, 6 de novembro de 2018.
Meio-dia, residência Kim.

ㅡ Eu devo servir o almoço, senhor Kim?

Jin, como resposta, assentiu fria e lentamente. As mãos grudavam-se como cola nos talheres de prata e ele esperou, pacientemente, pelo seu desjejum. Não demorou tanto quando pensou que fosse; e, logo depois, pôde ver os criados aproximando-se da mesa farta e luxuosa. Kim Seokjin estava no centro, onde seu pai costumava ficar.

Os criados trouxeram uma enorme bandeija de ouro, com carne suculenta e mal-passada brilhando aos olhos do rapaz. Este que, imediatamente, umedeceu os lábios com a língua. De fato, eu havia feito um bom trabalho. O olhar pecaminoso refletiu fome. Fome como a de um predador animalesco, esperando pacientemente para dilacerar o estômago de sua vítima de maneira cruel e selvagem. Seokjin, no entanto, iniciou um corte com as mãos íntegras e sorriu. E começou a comer, sem nem mesmo relutar por um segundo.

O gosto de carne de porco inundou seus lábios enquanto o sangue escapava vez ou outra. Tocava seu queixo; onde Jin limpava cordialmente com a ajuda de um guardanapo. Esticou a mão esquerda ㅡ pois a direção esquerda é, muitas vezes, referenciada como diabólica ㅡ até o cálice de vinho tinto.

Com as mãos livres, chamou por seu criado.

ㅡ Ah, por favor, poderia cozer as carnes do estoque?

Está terminado quando sete for um.

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⏰ Última atualização: Mar 11, 2018 ⏰

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