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“Eu estava tão perto dela que podia sentir o sabor de seu hálito, menta e canela, seus olhos azuis me fitavam com curiosidade, por Deus, como eu queria tê-la agora”
—AQUELA QUE EU AMO

Durante a viagem Liz não disse nenhuma palavra, nem mesmo com Alice que o tempo todo teclava algo em seu celular, Alice tem um blog de autoajuda, isso era sua tese de doutorado, ela já conseguira ajudar mais de vinte mil pessoas e agora as estava convocando pessoalmente para uma entrevista. Liz apenas olhava toda aquela linda paisagem que criava forma conforme ela saia da cidade sufocante.
Sentia em seu peito um misto de saudade de seus gatos e raiva de Caleb, ela nem mesmo sabia porque ainda estava pensando naquele homem, a relação deles acabou e ela ainda se martirizava pelas suas últimas palavras, então começou a tentar redirecionar seus pensamentos a outra coisa, talvez ao seu livro.
Ela sabia que daqui a alguns meses sua editora iria cobrar outro livro, mas ela já tentara tantas vezes iniciar um romance novo, apenas abria seu notebook, escrevia uma ou duas linhas, apagava e em seguida desligava o notebook, esse ciclo se iniciava no dia seguinte.
Era tão irritante, pois “Aquele que eu amo” fora escrito tão naturalmente, ela chegava a virar noites escrevendo, para não perder a criatividade, chegara muitas vezes a sonhar com seu personagem, Cristopher, o cavaleiro perfeito que ela projetara em suas fantasias.
―Terra chamando Liz... ― falou Alice, fitando-a ― Estou falando com você!
―Desculpa, eu me distraí.
―Não é saudável a motorista se distrair.
―Desculpa ― Liz tentou dar um sorriso verdadeiro, porém ele saiu sem graça e desmotivado.
―Você precisa parar de pensar no Caleb, mana, não vai estragar seu fim de semana.
―Não estava pensando em Caleb ― disse Liz virando a direita para pegar uma estrada de terra ― Estava pensando no meu livro.
―Quando a nova capa sai? ― disse Alice, ela fora a primeira a ler o livro de Liz, fora quem ajudara a escolher a capa, fora quem levou Liz a quase quinze editoras diferentes.
―Não sei, eles deram um prazo de trinta dias.
―Legal ― então ela voltou para seu celular.
Liz começou a prestar a atenção novamente na estrada, o carro pulando com os buracos e pedras que cobriam a estrada vermelha de terra, o sol estava alpino no céu e muito quente, a estrada ondulava com o calor, porém as árvores não cederam ao verão, mostrando suas lindas flores coloridas, agora Liz entendeu porque tão difícil alugar aquele chalé, a estrada parecia ter sido projetada em um estúdio de filmagem, de tão linda.
Apesar do barulho do carro Liz já conseguia ouvir o som de um pequeno riacho que corria por perto, ela atravessou uma pequena ponte, que estava rodeada de flores violetas e rosas, o riacho passava sob ela, diminuiu a velocidade afim de aproveitar mais o momento, colocou a mão para fora para sentir o vento passar pelos dedos, estava úmido e quente, mas muito confortável.
Alice se desgrudou do seu celular para aproveitar a vista, seus grandes olhos marejaram ao perceber onde estava, um longo sorriso infantil surgiu em seus lábios, ela piscou para Liz.
―Não acredito que ficaremos por aqui nesse fim de semana, um fim de semana todo só nosso ― falou Alice, em seguida tirando uma foto da paisagem e em seguida de si mesma.
―Vamos combinar uma coisa?
―Sim! ― disse ela entusiasmada.
―Provavelmente lá não terá sinal, mas se tiver nada de trabalho ou comunicação com o mundo exterior.
―Bom, ok ― Alice pensou um pouco ― Tudo bem, só para fotografar, sem problemas.
―Sem problemas, meu celular morreu hoje de manhã, então não terei problemas ― riu Liz da cena infantil dela jogando o celular na parede.
―O que aconteceu com ele, era novo.
―Taquei ele na parede em um momento de fúria.
―Ai meu deus.
Ambas caíram na gargalhada, Liz jamais teria feito aquilo em outra ocasião, ela sempre foi muito cuidadosa com suas coisas, sempre dando muito valor aos bens que ela conquistou, desde quando era uma simples atendente de mercado. Depois que seu livro começou a fazer sucesso e o dinheiro começou a entrar na conta Liz prometeu a si mesma que não mudaria sua personalidade, que continuaria a dar valor a tudo a sua volta, principalmente as coisas que conquistara com tanto esforço.
Depois de longos quilômetros atrás do volante Liz chegou a uma cidadezinha, onde morava a dona do chalé que ela alugara, estava mais para uma vila, ela entrou em um pequeno hotel e a sineta tocou, atrás do balcão estava a senhora Angela, uma mulher carrancuda e baixa, com o cabelo impecável preso no topo da cabeça, Liz sabia que ela era a dona do hotel e de seu chalé alugado.
―Senhora Angela? ― falou ela ― Bom dia.
―Boa... tarde ― falou a mulher, olhando para o notebook a sua frente ― O que desejam, estamos lotados.
―Na verdade aluguei seu chalé na ilha.
―Oh ― exclamou a mulher, mudando instantaneamente a expressão e se dirigindo a Liz ― Você é a escritora que irá comemorar o namoro com o... noivo? ― Angela olhou confusa para Alice, a medindo dos pés à cabeça.
―Algum problema, senhora Angela? ― disse Alice, limpando a garganta e pegando firmemente na cintura da amiga.
―Não, nenhum ― Angela olhou para seu notebook procurando pelas reservas.
Liz tentou guardar o sorriso, Alice piscou para a ela. Liz andou em passos largos, aquele hotel poderia ser inspirador para uma história de terror, pé direito baixo, todo de madeira e marfim, fotos dos antigos donos estampavam a parede, todos carrancudos assim como a atual dona, talvez uma herança?
―Bom, meninas ― Angela balançou as chaves e Alice as pegou ― Bom final de semana e não esqueçam de passar no nosso famoso “Poço de Desejos” ― a dona do local falou com tanto desdém que as meninas se sentiram enjoadas ― Para chegar até a ilha vocês precisaram pegar a balsa que parte daqui a trinta minutos, aqui temos um mapa.
Liz pegou o mapa e o avaliou, o poço de desejos ficava no próximo quarteirão, ela decidiu ir andando para esticar as pernas, as duas andaram lado a lado, havia muitas pessoas ali naquela época do ano e o poço estava rodeado de crianças e adolescentes, que se esgueiravam para olhar para o buraco. O poço era de pedra e parecia estar ali a mais de cem anos, Liz se aproximou sentindo a moeda queimar em seu bolso, ela até havia esquecido que o objeto de bronze estava ali.
Alice abriu sua carteira e pegou uma pequena moeda, fechou os olhos e a jogou dentro do poço, depois soltou uma gargalhada, empurrando Liz.
―Pensei que não acreditasse nessas coisas ― falou Liz.
―Não acredito, mas tem um cara gato fazendo isso a alguns metros e eu quis parecer sonhadora ― ela piscou novamente apontando discretamente para trás de seu ombro ― Não vai jogar a sua?
―Vou.
Liz apanhou a moeda de bronze que parecia queimar, literalmente, fechou os olhos e pensou, o que ela realmente queria? Inspiração para um novo livro? Um amor para toda vida? Um carro novo? Saúde? Ela não conseguiu se decidir, então lembrou da frase que Elena disse para ela.

“Vejo um cavaleiro, mas está tudo tão literal, seu livro, suas histórias, seus desejos.”

Dentro de sua mente ela pensou no seu personagem e em sua história, Cristopher era um cavaleiro, um homem da idade média que sacrificou sua vida para salvar quem ama, que viajou reinos atrás de sua amada, que lutou por tudo e por todos para tê-la em seus braços...
Antes que ela pudesse abrir os olhos uma criança correndo passou e a empurrou, fazendo-a soltar a moeda que bateu na beirada do poço, titubeou, rodou e magicamente caiu para dentro, Liz sentiu um frio percorrer por sua espinha, sentindo-se desapontada por ter desperdiçado seu pedido e sua moeda.
Alice soltou uma gargalhada e segurou a amiga pelos ombros.
―Você está bem? ― a menina ainda ria.
―Para de rir de mim.
―Deu tempo... de fazer... o pedido? ― Alice tentando recuperar o fôlego respirava entre as palavras.
―Não, não deu ― disse Liz, sentindo-se desapontada.
Ela não quis fazer outro pedindo, então ambas voltaram para o carro, para irem para a ilha, o sol estava tornando mais fraco, porém estava tudo tão quente que Liz suava, elas entraram no carro, ligaram o ar condicionado e colocaram uma música, no maior volume que o rádio de Liz suportava, Alice e ela prosseguiram cantando.

PRÍNCIPE DE PAPEL [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora