Capítulo III: O escândalo do ano-novo

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O tradicional baile de ano-novo oferecido por tia Carmo em sua residência, o Real Paço do Porto, era inegavelmente o evento mais aguardado do ano, ao menos pelos nobres. Uma irresistível oportunidade para que os titulados do Reino possam ver de perto a Família Real, sejam endinheirados ou empobrecidos, de linhagem antiquíssima ou recente, contanto que detenham um título nobiliárquico nacional. Fora essa, raras eram as ocasiões nas quais poderiam desfrutar do privilégio da companhia da realeza. Isso porque Papai era avesso a gastos desnecessários e demonstrações ostentatórias, incluindo nisso grande parte dos bailes e recepções que não fossem devido a uma comemoração especial, como o seu aniversário natalício ou onomástico, ou de importância diplomática, em visitas de chefes de Estado estrangeiros. Por isso, a presença da nobreza costuma ser exorbitante. Todos como que desesperados para ter a chance de fazer uma reverência ou trocar algumas palavras com o Rei ou Rainha. As mulheres expunham suas melhores joias, os homens caprichavam nos "black-ties" sob medida e nos sapatos lustrados. 

No salão principal, que não era lá tão grande, ficávamos nós e os duques, além da orquestra, dessa vez austríaca, posicionada em um ponto estratégico. Os demais convidados eram distribuídos em diversos outros ambientes.

Bem próximo à mesa principal, sentava-se o macróbio Duque de Corunha, dono do maior banco do Reino. Bastante idoso e igualmente lúcido, tamanha era sua dificuldade de locomoção que compareceu em uma cadeira de rodas. Talvez por sua fabulosa riqueza,  os populares o encaravam como o terrível burguês que teria nas mãos o total controle da economia e do Estado. Dizia-se, inclusive, que foi ele quem sustentou a Família Real durante todo o exílio, possibilitando que continuássemos a viver em altos padrões apesar de termos sido verdadeiramente extorquidos pelos golpistas de julho de 1937. Não sei dizer até que ponto esse boato condiz com a realidade, pois sempre soube que meu avô vivia dos próprios rendimentos como célebre investidor nos Estados Unidos.

Em outra mesa, estava a sua neta tida como a predileta, a Duquesa de Pontevedra, cujo ducado era o de maior precedência e antiguidade no Reino. A prova, para muitos, de que o dinheiro também é capaz de adquirir tradição e história. Da mesma idade de Papai, tinha sido muitíssimo cotada para se casar com ele, possibilidade que era muito bem vista pelo meu avô, até minha bisavó, Da. Maria Margarida, preocupada em preservar intacto o sangue real, intervir e arranjar a união com Mamãe. Diferente da grande maioria dos presentes, a Duquesa de Pontevedra é frequentadora do palácio, amiga da Família e compartilha com Papai o amor pelos cavalos. Dentro de poucos meses, seria ela a me dar a notícia mais terrível de toda minha vida...

Confesso que nunca gostei desse baile de ano-novo. Ficar cercado de tantos bajuladores me deixava desconfortável. Principalmente porque, especialmente nesse ano, não tiravam os olhos de mim, finalmente adulto, com 18 anos. Tive que ouvir a conversa enfadonha de dois ou três marqueses sobre como suas famílias estavam intricadas por casamentos em diversas gerações ancestrais e como isso os fazia aparentados - ainda que distantes, eles o admitiam - comigo.

A formalidade só tinha fim quando se passava do ano velho para o ano novo. O Rei erguia a taça de champanhe, oferecendo um brinde ao ano nascente e à Pátria, no que era seguido por todos. Pouco antes desse momento, meus irmãos menores, que ficavam em um cômodo sendo entretidos por algum profissional contrato, para que recebessem beijos carinhosos de Papai e Mamãe, sendo levados para os quartos logo em seguida. 

A ausência de tio Carlinhos, que sempre era a alegria de qualquer reunião social, foi claramente notada e entendida como represália à sua escandalosa festa de aniversário poucos dias antes. De fato, ele foi afastado de todos os compromissos oficiais da Casa Real até abril. Para compensar, compareceram tia Anita com seu esposo, o Príncipe Carlos Henrique de Bourbon de Parma, e dois filhos mais velhos, Adrián e Francisco Javier (Ravi), este meu melhor amigo.

Terminado o brinde, Ravi e eu nos juntamos a Tunico e alguns outros amigos rapazes filhos de Grandes do Reino. Adrián, com quem eu nunca me dei bem, não nos acompanhou e foi falar com outras pessoas. 

- Vocês viram como Sara está hoje? - indagou um dos garotos, com ar malicioso.

- Quem é essa? - perguntou, sem saber de quem estava falando.

- A filha do Conde de Vilalba. Fez 18 também na semana passada. Está logo ali, junto da filha do Visconde de Vilareda. - e dirigiu o olhar para duas belas garotas que, cada qual com sua taça, riam uma para outra, com aquela alegria adolescente. A segunda eu conhecia bem, por conta de sua mãe, a Viscondessa de Vilareda, ser uma das damas da Rainha. 

- Bom, Jota, pode dizer que não conhece a filha de Vilalba, mas a de Vilareda... Conhece bem até demais! - disse Tunico, rindo alto, no que foi acompanhado pelos outros do círculo. 

Enrubesci com o comentário. Leonor e eu crescemos lado a lado, sempre brincamos juntos nos corredores e jardins do palácio. Foi meu primeiro amor, meu primeiro beijo e, dois anos antes, nas férias de verão do colégio, minha primeira vez. Aconteceu de repente, imprevisto, em uma tarde no Castelo de Valmonte. Depois disso, como voltei ao internato em seguida e ficamos um tempo sem nos ver ou falar, acabamos nos afastando, para minha infelicidade. Nunca tínhamos tido uma conversa normal após o acontecimento, mas eu não saberia explicar o motivo. Sempre fomos tão íntimos... Algo teria mudado... 

- Não! - reagiu Ravi, escandalizado. - Jota...? Jota e Leonor? - riu, surpreso. - Não posso acreditar! Por que você nunca me contou?! - me deu um soco no braço. 

- Porque parece que eu sou o verdadeiro melhor amigo dele - adiantou-se Tunico, para provocar.


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⏰ Last updated: Jun 07, 2018 ⏰

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Um jovem príncipeWhere stories live. Discover now