Mas pode puxar a sua arma-Lá vem o pessoal dos Montequios.

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Até onde eu podia me lembrar, tia Rose fizera tudo o que estava ao seu alcance para impedir que Janice e eu fôssemos à Itália. "Quantas vezes tenho que dizer que aquilo não é lugar para boas meninas?", costumava repetir.Tempos depois, ao perceber que sua estratégia tinha que mudar, ela balançava a cabeça sempre que alguém tocava no assunto e levava a mão ao peito,como se o simples fato de pensar naquele lugar a deixasse a beira da morte. "Acreditem, a Itália não passa de uma grande decepção", dizia com a voz rouca, "e os homens italianos são uns porcos!"

Eu sempre me ressentira desse seu preconceito inexplicável contra o país onde eu havia nascido,mas, depois de minha experiência em Roma, acabei mais ou menos concordando com ela: a Itália era uma decepção e, perto dos italianos— pelo menos dos uniformizados—, os porcos pareciam muito agradáveis.

Do mesmo modo, sempre que lhe perguntavamos sobre nossos pais,tia Rose nos cortava, recitando a mesma velha ladainha:"Quantas vezes tenho que lhes dizer",resmungava,frustada por ser interrompida em meio à leitura do jornal,com as luvinhas de algodão que a impediam de sujar as mãos de tinta,"que seus pais morreram num acidente de automóvel na Toscana quando vocês tinham 3 anos?" Para felicidade de Janice e minha, tia Rose e o pobre tio Jim, que Deus o tenha, conseguiram nos adotar imediatamente após a tragédia— pelo menos era assim que continuava a história— e nossa sorte era os dois nunca haverem podido ter seus próprios filhos.Devíamos dar graças a Deus por não termos acabado num orfanato italiano, comendo espaguete todo dia.Olhem só para nós! Ali estávamos, morando num casarão na Virgínia, completamente mimadas;o mínimo que podíamos fazer em retribuição era parar de atormentar tia Rose com perguntas que ela não sabia responder.E será que alguém podia preparar outro mint julep para ela, considerando-se que suas articulações estavam doendo terrivelmente, por causa da nossa chateação incessante?

Sentada no avião para a Europa,contemplando a noite no Atlântico e revivendo conflitos passados, ocorreu-me que eu sentia saudade de tudo o que dizia respeito a tia Rose,não só das coisas boas. Como eu ficaria feliz por ter mais uma hora com ela, mesmo que ela passasse o tempo todo esbravejando! Agora que ela se fora, era difícil acreditar que um dia tivesse feito com que eu batesse portas e subisse a escada pisando duro,era difícil admitir que eu tivesse desperdiçado tantas horas preciosas num silêncio teimoso,trancada em meu quarto.

Enraivecida,enxuguei a lágrima que escorria em meu rosto com o guardanapo fininho do avião e disse para mim mesma que arrependimento era perda de tempo. Sim, eu devia ter escrito mais cartas para ela, devia ter telefonado mais vezes e dito que a amava, mas agora era tarde para tudo isso. Eu não podia desfazer os pecados do passado.

Para cima de minha tristeza havia também outra sensação me corroendo por dentro. Seria um mal pressentimento? Não necessariamente. Um mau pressentimento significava que alguma coisa ruim iria acontecer. Meu problema era não saber se de fato aconteceria alguma coisa. Era perfeitamente possível que toda essa viagem terminasse numa decepção. Mas também sabia que uma única pessoa era a culpada pelo aperto em que me encontrava: eu mesma.

Eu havia crescido achando que herdaria metade da fortuna de tia Rose e, por causa disso,nem sequer tentara construir a minha. Enquanto outras moças da minha idade haviam escalado o poste escorregadio da carreira com as unhas meticulosamente feitas, eu só havia trabalhado em atividades de que gostava— como dar aulas em colônias de férias dedicadas ao estudo de Shakespeare—, sabendo que, mais cedo ou mais tarde, a herança de tia Rose cuidaria de minha crescente dívida com os cartões de crédito. Como resultado, agora eu tinha pouco a que recorrer, exceto uma fugidia relíquia de família, deixada em terras distantes por uma mãe de quem eu mal conseguia me lembrar.

Desde que abandonara o curso de pós-graduação, eu não tinha morado em nenhum lugar em particular, dormindo nos sofás de amigos do movimento pacifista e indo embora toda vez que conseguia um trabalho para lecionar Shakespeare.

JulietaOnde histórias criam vida. Descubra agora