Cá, Lá, tanto faz

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Cá, lá, temia eu os infortúnios relances da vida. Quando nessa, lembro-me não bem da felicidade e, creio eu, da inocência daqueles tais quais homens e mulheres e crianças, que me perseguiam de mórbidos olhares, mas me lembro de suas convicções. De suas paixões. E de seus incrédulos resquícios de fanatismo. Ora, temia eu não só os infortúnios relances da vida como, também, do pós-vida, da vida de lá que passou para cá. Então, cá estou, agora, a me lamentar de tanto pensar sobre o pesar do estar. 

Diante do cá e do lá, peço eu perdão, mas, também, minha negação enquanto ser pensante... Ou melhor, não-pensante... Ou melhor, existência-carnal-não-mais-pensante. Eu choraria se pudesse, mas diante de lágrimas de areia, nada posso fazer. Digo-te também que eu morreria, em vida ou cá, quantas vezes lhe fossem necessárias para que a contínua existência dos seres deixasse de citar meu nome, e que a história não mais me retratasse em seus livros empoeirados. O meu maior sonho seria o de deixar de ser herói para ainda muitos dos meus companheiros, mas isso é de um pensamento inescrupuloso, totalmente irreal. E eu não sou mais assim.

Não tenho mais do que palavras efêmeras para expressar que eu fui um tolo fétido que jamais deveria ter nascido entre os humanos. Eu condeno os meus atos passados, manchados de sangue na história das eras. Eu confesso que manipulei tudo, que eu matei e que eu vi aqueles inocentes morrerem por convicções tolas e bestiais. E mais do que inocentes, a tola inocência do mundo! Bem, agora que estou neste lado do cá, não tendo mais opções de me aguentar, vejo que "minha luta" foi resumida em um aglomerado de corpos sem frutos. Corpos já não mais entre os vivos.

Eu não mereço estar a cá, lá, ou acolá, mereço não nem mesmo existir nas dimensões figuradas do ser. Eu errei, e feio. E agora, diante da verdade sublime que rodeia aqueles que chegam para cá, vejo que a essência é indestrutível, e o tempo, aquilo que pensamos ser nada mais do que uma das variáveis que controlamos, relativo. Os anos passam e passam, e eu ainda não deixei de existir. Ora, que tolice! Eu nunca deixarei de existir, e com a densidade do meu pesar, temo eu nem mais pelos infortúnios da vida e do pós-vida, mas por aqueles para além do pós-vida.

Eu fui uma falha, e sei ainda que sou uma. E agora, o que faço? Cá não mereço estar, e muito menos lá... No céu, no inferno, não pertenço e nunca pertencerei. Assim, vivo os últimos dias de minha infortuna vida, existindo onde chamo de "nada", um espaço solitário e vazio, criado pelos próprios tormentos da minha infelicidade. Um espaço que me permite sofrer pelos eternos pensamentos que terei de meu eterno pesar, sentindo o gosto salgado-amargo do cianeto e vivenciando a dor dos olhos de todos aqueles que doaram seus corações ao meu ódio.

Cá estou, relembrando-me mais uma vez de meu erro, aquilo que me faz ter medo e desgosto de mim mesmo. Bem, eu só queria lhe dizer que peço perdão pelo que fiz, pelo Holocausto.


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