Eu sou ninguém

13 4 2
                                    

Por muito tempo, meu coração esteve dominado pelas trevas, e diante de meus olhos, nada me vinha menos do que uma efêmera sensação de inquietude. Eu tudo queria, mas nada podia. Pois o meu trigo ainda se fazia pelo sangue, os meus braços ainda se levantavam contra o sol dos nossos pecados e as minhas pernas ainda marchavam sobre as escamas do deserto. Mas era sobretudo pela minha garganta que me vinha a maior dor de todas: a de querer gritar, mas não poder fugir.

Éramos quinze, quinze! Mas eu lhes fui perdendo um por um, até que nada mais restasse dentro de mim, somente a crisálida de minha alma vazia. Por muito tempo, eu chorei; em meio aos corredores, eu os ouvia brincar, correr, pular em sua doce e inocente fragilidade. E quando íamos lá fora, eu conseguia ver seus sorrisos se destacando entre os raios do sol nascente, enquanto suas vozes dispersavam-se pelo ar como melodias coloridas. Talvez fosse exatamente por isso que eu chorava: no fundo, eu sabia que estava sozinho.

Mas o tempo foi passando, e passando e passando, até que minhas lágrimas secassem em areia e minha vida ficasse rodeada de sombras, ilusões e emoções vazias. Eu não conseguia mais me enganar: não havia mais ninguém. Eu realmente estava sozinho. Naquele momento, eu sabia que havia perdido tudo, até mesmo a mim.

Então, eu me enfureci: senti meu corpo inteiro ferver em brasa enquanto meus músculos se dilatavam e contraíam em ódio. Por algum tempo, meus olhos se tornaram a destruição, e o que viam à frente era o caos e a morte. Afinal, nada mais fazia sentido. Eu não tinha mais o que perder, pois eu nada mais tinha. Mas no final de tudo isso, como sempre, eu fui vencido pelo cansaço. Minha força não se mostrava a altura daqueles homens. Então, foi diante das areias sangrentas do deserto que minha vida inteira passou diante dos meus olhos. Enquanto a tristeza preenchia meu corpo já frio e insensível, eu só me perguntava uma coisa: por que?

Eu estava cansado de me iludir, pois quem era eu para mudar algo? Eu não era ninguém, e estava cansado de crer que o era. Não...!, eu pensava. Eu não posso mudar o mundo, pois eu não posso mudar nem a mim mesmo. Eu não sou ninguém. Eu nunca fui ninguém..., eu não posso mudar o mundo!

Eu pensava que havia sido ali, naquele momento, diante das areias sangrentas do deserto, que me cairiam as últimas lágrimas da minha vida. Mas enganava-me de meus próprios sentimentos, pois mesmo com a lâmina cega apontada à minha cabeça, eu não pude evitar que meu sorriso amarelo crescesse bem diante daquele sol penetrante, fazendo refletir a vida que agora se forçava a nascer dentro da minha morte. Um êxtase descomunal fora preenchendo todas as partes de meu corpo enquanto os seus corpos, preenchidos de véus, iam aos poucos se lançando à frente pelas adagas vermelhadas cravadas em seus peitos.

Mas naquele dia, eu sabia que o sorriso não me havia vindo pela morte daqueles homens, pois nos era santo que, até mesmo aos injustos, o ciclo da vista se mostra como sagrado. Tudo era porque, a partir daquele dia, eu viria a testemunhar, novamente, o pertencimento. Eu já não era mais ninguém, nem pai, nem marido e muito menos um homem. Mas agora era tudo diferente: eu já não era o único que havia perdido tudo.

Hoje, eu vejo que tudo isso me aconteceu por um motivo. Consigo perceber que o sofrimento foi necessário afim de que meus olhos se abrissem à iluminação. E agora, cá estou eu, com meus passos ecoando por entre salões de ouro e os meus olhos imersos nas palavras de meu objetivo. Tenho que confessar que, dentre os véus que permeiam meu corpo, os explosivos têm se mostrado mais pesados do que no treinamento. Mas isso era mesmo só um detalhe, porque agora, poucos instantes do meu derradeiro momento, já não posso mais segurar as lágrimas calorosas e gentis para com todos aqueles que me acompanharam até então. Obrigado por terem me acolhido, eu só conseguia pensar nisso. Mais uma vez..., obrigado. Ontem, eu me perdia entre os medos e os pesadelos, mas, hoje, eu posso dizer que pude de novo me encontrar.

Hoje, eu já não sou mais ninguém. Eu sou ninguém.


Se você gostou desse conto, não esqueça de curtir e comentar <3

Obrigado!!! E vamo que vamo <3 

Cá, Lá, tanto fazOnde histórias criam vida. Descubra agora