Sempre me perguntei qual é o sentido desse mundo louco. Entre guerras, conflitos e todos aqueles que veem até mim com suas figuras supramágicas que controlam nossos destinos, no final do dia tudo ainda me parece ser mítico demais; fantasioso demais. Quanto mais páginas me descem pelos olhos, mais percebo que esses ciclos sangrentos não param de se repetir viciosamente pelo tempo. Talvez essa seja a maior conclusão de minha longa pesquisa até agora. Bem, quem dera que fosse somente páginas de livros empoeirados que amargurassem esses meus tão novos e velhos olhos. Quando se faz amizade com a história em si mesma, aprendi que não podemos mais dizer que são seus contos quem amarguram nossas vidas, e, sim, nós mesmos.
É muito fácil sonhar com uma vida próspera, querer todo o conhecimento do mundo e desejar ter o poder bem no centro de nossas mãos. Eu vi isso acontecer com muitos, inclusive comigo mesmo. Mas todos eles sucumbiram ao desastre e às suas próprias maldições, sem exceções. Então, tronos de ouro caíram, exércitos se diluíram e, dentre todas as catástrofes, uma vida foi amaldiçoada com o maior pesar de todos os tempos: mais vida. E tudo aconteceu porque a criatura, algum dia, pensou em se igualar ao seu criador.
Diante de todos questionamentos que eu já fiz durante essa minha existência que me perde os anos, vejo que a síntese de minhas perguntas sempre acaba se voltando àquela tal imperdoável aos ouvidos dos que me cercam na luz: afinal, temos ou não um Deus acima de nossas cabeças?
Não devo mentir em minha crença cética sobre essa figura que tanto dizem existir para além dessa nossa realidade material. Mas, também, onde estaria minha honra em recair no abismo dos ensinamentos que regem minha vida? Quem seria eu, diante dos conhecimentos universais, em questionar a existência daquilo que não consigo provar existir? Essa foi a grande questão que fez sucumbir muitos daqueles que eram semelhantes a mim: meus mestres, meus companheiros e meus discípulos. Todos eles tropeçaram no pecado de suas próprias ambições; largaram laços de ouro para tentar obter, a força, a benção que tanto diziam que eu carregava nas veias. Mas como eu disse: eles sucumbiram em seus erros e pecados. E eu também, com essa minha tão estimada benção.
Por isso que eu pergunto: temos, ou não, Deus guiando nossas vidas? Por muito tempo, eu acreditei que não, e talvez eu ainda acredite nisso, nesse sentido estrito que vê nossos destinos serem orientados pelo criador de nossas existências. Mas, talvez sim; talvez eu, de fato, acredite que, no final do dia, nossas vidas são guiadas por um Deus, que sabe nossos passos, nossos pensamentos e nossas lógicas difusas que ousam questionar sua existência transcendental. Com todas as memórias trágicas e seculares que fluem pelos cantos mais sombrios de minha alma, talvez a questão em si não seja exatamente a de questionar Deus, mas, sim, questionar a nós mesmos: nós, afinal, existimos ou não? E se existimos, por que tanto questionamos nossas existências?
Toda a vez que eu vinha me incubar nas sombras de minha casa, diante de meus frascos e meus livros empoeirados, minha lógica sempre me fazia incidir na negação. Por isso que eu sempre neguei Deus: não por mim mesmo, mas porque eu precisava disso para me aceitar quem eu era. E eu era um cientista, junto com meus mestres, meus companheiros e meus discípulos. Quando o conhecimento te permite destruir e reconstruir realidades com simples estalares de dedos, em algum momento de sua vida você sempre questionará Deus. Mas se você não acredita em Deus, quem acreditará? Será que, naquele meu primeiro mundo sujo, vazio e fanático, eu acreditaria somente em mim mesmo? Nas possibilidades dessa carne que, no final do dia, representava somente um acaso da natureza, sem qualquer vínculo com as esferas invisíveis das consciências? Quem eu era perante Deus?
Foi derradeiro o dia em que percebi que, para negar Deus, eu precisaria, anteriormente, ter acredito em Sua existência, bem como em Seu onipoder de transformar o irreal em real. Mas para acreditar em Sua existência, eu teria que ir contra toda a Ordem que imperava sobre a minha vida, contra tudo aquilo que me ensinaram e que eu, em algum momento, ensinei. Foi nesse momento, então, pela primeira vez na minha vida, que me vi preso em um dilema que ultrapassava até mesmo os mistérios das eras perdidas: para me aceitar como perseguidor da Verdade e do Impossível, eu precisava negar toda a existência transcendental e que não detinha de relevância à lógica material; mas se eu negasse o infinito, eu estaria negando a própria possibilidade do Impossível e do desconhecido existir, e isso negaria a minha própria existência. Era por essa razão que eu nunca pude negar Deus: pois, se eu O negasse, eu estaria negando a mim mesmo. No final do dia, nós éramos não mais do que imagem e semelhança, futuro e passado.
Por isso que, ante a tantos séculos questionando minha sanidade e minha existência, eu passei a acreditar em Deus. Pois, seria somente acreditando Nele que eu poderia acreditar em mim mesmo, e também em todas as minhas possibilidades infinitas de Ser, juntamente a Ele. Afinal, essa é a filosofia da arte sagrada de minha doutrina, e acreditar em Deus é sintetizar todos os conhecimentos que eu internalizei pela minha longa vida: o todo não existe sem o nada, e o nada não existe sem o todo. Pois eles se complementam como faces de uma mesma moeda, assim como o dia como o dia e a noite, a terra e o mar, a vida e a morte.
E é por isso que, depois de ter a consciência elevada sobre a Verdade que me restava, pude intuir sobre a outra metade do segredo que dediquei séculos de minha vida a procurar e a reverter. Assim, são com essas lágrimas de felicidade que, agora, eu me liberto da densidade na qual eu me prendia, sabendo que esse meu ato não representa o fim: apenas o começo. Então, se com a mão esquerda, a vida me foi dada como mortal, é com a mão direita, e com toda a esperança na loucura e na possibilidade das novas gerações, que eu venho me desligar dessa terra, trazendo-me a tão sonhada morte do imortal. Meu querido irmão, é como eu disse há muito tempo atrás: o que está em cima é como o que está embaixo; o que está dentro é como o que está fora. É por isso que rezo pela sua compreensão da Verdade, e esperarei o tempo que for necessário até que isso aconteça. Esperar-te-ei do outro lado até o dia que, juntos, estaremos observando às estrelas do universo, sentindo a totalidade do dia e da noite pulsar em nossas corações assim como se dá o nascer e a destruição dos mundos a cada pôr do sol.
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Cá, Lá, tanto faz
Short StoryO mundo é um lugar perigoso de se viver, mas ainda bem que o vivemos.