Um pequeno ensaio sobre os nossos lobos

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O ser humano sempre teve medo do desconhecido, do infinito e da vasta imensidão que cerca o mundo. Porém, ele também sempre teve curiosidade e, por conta disso, todos os dias, quando acordava, desde os primórdios de sua existência, já lutava contra esses medos, pois sabia que, somente enfrentando-os é que seria possível domá-los, e uma vez fazendo isso, o mundo seria o próximo passo. Infelizmente, nem ele mesmo sabia que um dos seus maiores monstros, senão o maior, viria a se tornar ele mesmo. Os dias, então, viraram anos, e os anos, séculos, e hoje, depois de mais de cinco mil anos de história acumulada, percebemos que, de certa forma, fomos longe demais no nosso império. Na nossa luta contra nós mesmos.

Inicialmente, todos nós parecíamos ser da mesma espécie, parecíamos carregar o mesmo princípio de DNA e ter a mesma origem, mas o que a biologia demorou milhares de anos para unir, a história levou pouco mais de milênios para separar. Ao ver o caminhar das linhas do tempo, nós fomos ficando cada vez mais individuais e ambiciosos, de um tal nível que perdesse a dimensão e o controle, até que derradeiramente começamos a nos automutilar em guerras sangrentas. A partir disso, desde as tribos primitivas até a Era Contemporânea, todas as nossas invenções foram se adaptando aos frutos desse nosso individualismo, além de fatores sociais e psicológicos. Cada povo, então, criou a sua escrita, passou a usufruir de seu espaço de terra e, principalmente, a utilizar a sua própria língua. Por outro lado, esse individualismo no ser humano também teve boas conquistas: criou-se um universo de culturas e de línguas que nos tornou ainda mais únicos. Por conta disso, a grande questão deste atual século viria a ser da seguinte maneira: como unir todas as Nações em prol do mundo e da paz ao mesmo tempo em que todas essas riquezas pudessem ser preservadas às próximas gerações? A resposta talvez possa ser encontrada no multilinguismo.

A nossa sociedade só evolui graças aos desafios que nós mesmos impomos perante a realidade. Seguindo a Primeira Lei de Newton, a Inércia, um corpo em repouso tende a ficar neste estado caso não existam forças atuando sobre ele – e esse conceito pode ser aplicado facilmente nos contextos sociais. Se um povo não tenta evoluir, ele nunca irá conseguir fazê-lo por conta própria, continuando, dessa forma, com os mesmos preconceitos, tecnologias, tradições e com uma cada vez mais definida pirâmide social. Se a Revolução Francesa nunca tivesse acontecido, por exemplo, quanto tempo mais a França ficaria com versões otimizadas de um Luiz XVI gastando futilmente todo o trabalho de seu povo? Por quanto tempo mais os ricos seriam apenas ricos, os pobres apenas pobres e os inimigos apenas inimigos? Sem Revolução, não há mudança, e muito menos perspectiva de futuro. Assim, o multilinguismo surge neste século para fazer exatamente isso: um primeiro passo à consciência de que não vivemos em Estados separados, mas no único e sublime planeta Terra.

O século XXI nasceu das entranhas de um período marcado pela incerteza das guerras e por incontestáveis novas formas de se contabilizar a morte e matar seres humanos. A globalização cresceu posteriormente e, de maneira abrupta, tornou os cantos do mundo mais próximos, sem que eles estivessem preparados para isso, unindo tanto aliados quanto inimigos. Foi a primeira vez que o mundo começou a se tornar mais interdependente, principalmente no que tange acordos feitos para se uniformizar a burocracia entre os Estados. Na verdade, a supervalorização da técnica existe desde a Primeira Revolução Industrial, e nós, hoje, somos apenas um reflexo disso. É fácil, por exemplo, encontrar nos dicionários centenas de subtons que a cor azul pode assumir – em contra partida, as milhares de intensidades que a palavra amor possui são reduzidas em poucas letras. E infelizmente essa realidade não é só presente nas palavras, mas, também, no meio acadêmico, social e no de âmbito mundial.

O multilinguismo sempre foi muito valorizado, principalmente após esse período de globalização, e ao se ter esse pensamento juntamente com a Terceira Lei de Newton, Ação e Reação, pode-se concluir que tudo que é muito valorizado é porque possui grandes investimentos, e os investimentos só surgem por conta do interesse que existe por trás de tudo isso. Pode-se falar muito no Palácio de Versalhes, em fast-food americano ou sobre a incrível Atenas antiga, mas esses grandes itens que marcaram a história só existiram por conta do interesse que os envolvia, da mesma forma que o Renascimento cultural de 1500 só existiu por conta dos ricos mecenas que almejavam glória e prestígio. Hoje, o multilinguismo pode ser retratado dessa forma: uma estratégia de interesse. Ora, o mundo se tornou uma grande corporação, e saber mais de uma língua deixou de ser algo apenas essencial, transformando-se em uma obrigação para manter esse ciclo de interação econômica entre Estados por mais tempo. Mas o processo de aprendizagem de uma língua deveria ser dotado de espírito político, ensinando a uma criança não só que "olá" em português é "hi" em inglês, replicando as palavras como se fosse um robô (a técnica se sobressaindo), e, sim, a importância dela saber o seu papel na construção do mundo, possuindo a verdadeira noção de cidadã global. Saber sua identidade cultural.

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