Um molho de frango caipira com bastante açafrão e pimenta e uma porção de arroz branco, dois pratos que, sem dúvidas, estavam entre os seus favoritos; tinham um gosto especial, trazia boas lembranças de momentos felizes com a família. Memorias de uma mesa farta de comida e de pessoas. Porém, a refeição, quando feita com carinho, ficava gostasa em qualquer circunstância; e Pietro sabia fazer.
Desligou a chama de seu fogão e retirou a tampa das duas panelas. O vapor subiu de imediato, o cheiro do açafrão ganhou o ar; o frango ainda soltava borbulhas de tão quente. Pegou um prato, botou o arroz e o molho de galinha e entregou ao garoto sentado na raiz de uma das árvores que sombreavam o beira-rio. O menino pegou o prato cabisbaixo, contido, arisco. Olhava para o velho apenas de canto de olho, como se temesse por algo.
— Se tava com fome, não precisava tentar roubar — o velho deu a bronca, voltando ao fogãozinho e servindo-se com vontade.
O menino não respondeu. Porém, mesmo com sua timidez, não tardou em devorar o prato com toda a voracidade que um garoto com fome poderia ter. Pietro, por sua vez, sentou-se em outra raiz, onde se colocou a degustar uma de suas predileções. Enquanto comia, observou os bois, que agora tinham encontrado um gramado macio onde comiam uns e deitavam outros. O barulho da água batendo sobre as pedras em uma leve correnteza acalmava os ânimos, agitados, não fazia muito tempo, pela aparição do menino.
Pietro pousou sua atenção sobre ele. Estava com as roupas ensanguentadas, sujas, e não era complicado avistar alguns rasgos aqui e ali. O estado de seu rosto não estava melhor; havia um grande corte em sua testa, vermelho devido a inflamação, mas que já começava a cicatrizar. Do machucado, escorria um linha de sangue seco, que atravessava seu olho esquerdo e sepenteava bochecha abaixo, desembocando no queixo fino. Estava pálido, contudo sua pele era clara por nascença e seus cabelos, lisos e negros, caiam sobre as orelhas, por falta de um corte mais elaborado.
— Meu nome é Pietro — ele se apresentou, entre uma garfada e outra. — Qual seu nome?
O menino, despindo-se das amarras da introversão, respondeu:
— Dom.
— Dom… — o homem analisou. — Qual sua idade, Dom?
O silêncio se prolongou até que o garoto engolisse o pedaço do frango que mastigava.
— Onze.
Ainda não olhava nos olhos de Pietro, mas responder as perguntas feitas já era um grande avanço.
— E o que um garoto de onze anos tá fazendo perdido no meio do nada?
Dom movia os lábios toda vez que se preparava para soltar sua voz suave; e o fez naquele exato momento.
— O carro que eu tava sofreu um acidente. Meu pai e minha tia tavam comigo, mas eles morreram.
Pietro recordou dos destroços que vira empilhados no meio da rodovia e das duas vítimas dentro do esportivo.
— E há quanto tempo cê tá por essas bandas?
— Vai fazer três dias…
— Muito tempo… — Não era de se espantar, pensou o velho, que o menino estivesse em estágios avançados da fome. — E cêis tavam vindo de onde pra onde?
— Meu pai era de Itauçu — e, naquele instante, Pietro viu o garoto o fitar pela primeira vez; os olhos de quem havia acabado de passar por um grande trauma. — Eu preciso chegar até minha mãe. Ela mora perto da próxima cidade, Inhumas.
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Azul Que Cobre O Asfalto
Science-FictionPietro, um velho acostumado às suas tradições, se vê em uma viagem arriscada em busca de uma vida normal em meio a muita destruição e morte; um futuro apocalíptico causado por uma bactéria modificada pelo acaso do tempo. Junto com seus quatro amigos...