Zayn on
Fiquei horas trancado no quarto, pensando na Allyson... Eu preciso controlar essa minha raiva. Não posso brigar com ela toda vez que ela age estranho em relação a mim. Ela só está curiosa. Eu a deixei curiosa. Tenho certeza que ela suspeita de mim, e isso é tudo que eu menos quero na vida. Ouço um barulho na porta.
- O que foi, porra?- grito.
- Olha o palavrão!- Safaa me repreendeu. Revirei os olhos.
Me levantei da cama e antes de tocar na maçaneta, limpei meu rosto. Sim, eu estava chorando por ser um garoto anormal. Abri e Safaa me encarou com aqueles olhos que dizem "Você aprontou, estou sentindo isso".
- Algum problema, pirralha?- levantei a sobrancelha.
- Estou com fome.
- E...?
- E mamãe e papai não estão em casa.
- Eu lá tenho cara de cozinheiro?
- Eu lá tenho cara de quem se importa? Se eu pudesse, comeria fora, mas não posso. O mínimo que você pode fazer, como irmão mais velho, é me ajudar.
Odeio quando ela paga de certinha.
- Eu não sou o mais velho, a Doniya que é.- me apoiei na porta.
- Ela está chorando no quarto e não vai querer cozinhar pra mim.
- O que houve com ela?- fiquei sério.
- A amiga dela morreu, a Emily. Um loirinha, de olho azul, com o cabelo até aqui.- Safaa apontou para seus ombros.- Não se lembra dela?
Eu me lembro de uma loirinha de olho azul. Lembro de estar na fente dela com uma faca na mão. É, me lembro de Emily. Pena que a matei noite passada.
- Não.- menti.- Não lembro.
- Novidade, você não se lembra nem que tem família.- ela fez uma cara triste, e eu me senti pior ainda.
- Desculpa, Safaa. Eu não estou nos meus melhores dias.- me agachei na sua frente.- Prometo que vou melhorar.
Safaa abriu um sorriso.
- Obrigada, Zayn.
Sorri sem mostrar os dentes e me levantei.
- Certo, o que você quer que eu faça?
- Bem, eu gostaria mais que você pedisse uma pizza, já que você tem dinheiro.- riu.- Pode ser?
- Claro.- ri também e fechei a porta do quarto.
Enquanto andávamos, passei pela porta do quarto de Doniya e consegui ouvi-la chorando lá dentro. Eu queria gritar: Sim, eu matei a sua amiga! Seu próprio irmão, doente mental! Se livre de mim! Não mereço viver, eu me odeio.
Descemos as escadas e eu pedi uma pizza. Ela chegou alguns minutos depois, bem quando Waliyha apareceu na sala, com Doniya ao seu lado. Doniya secava os olhos.
- Soube do que aconteceu.- falei enquanto colocava a pizza na mesa de centro.- E sinto muito.- é, sinto muito por eu ter matado sua amiga, juro que não fiz por querer.
Doniya balançou a cabeça e sentou no sofá a minha frente. É meio estranho ser o único homem entre 3 garotas, uma de 11 anos, outra adolescente e uma mais velha, que chora por algo que eu fiz. Mas eu já estou acostumado, a presença ou não do meu pai em casa não fazia tanta diferença. Um dia ele vai morrer. E eu serei o homem da casa, de uma vez por todas.
- Então, vejo que comprou pizza?- Waliyha levantou uma sobrancelha. Fiz que sim com a cabeça.- Que incrível. Eu estava achando que foi a Safaa.
Revirei os olhos e ela riu.
- Não sou tão ruim assim.- essa foi a maior mentira que eu já disse.
Doniya suspirou alto e olhou pra mim, com um sorriso fraco no rosto. Retrubui o sorriso enquanto entregava a ela seu pedaço de pizza.
- Quer saber?- disse ela.- Um dia todos nós vamos morrer.- e se concentrou na comida.
Eu concordo com ela. Mas ninguém merece morrer com uma faca enfiada no pescoço, certo?
- Onde mamãe e papai estão?- perguntei.
- Eles saíram pra não sei aonde.- Doniya deu de ombros.
- Quando voltam?
- Eles já estão fora há 3 horas.
- Que estranho.- conclui.- Espero que não estejam discutindo.
- Ah, Zayn.- Waliya deu uma risada seca.- É o que eles mais sabem fazer agora.
- Por minha culpa.- abaixei a cabeça.- Sou um péssimo irmão e um péssimo filho.
Safaa se aproximou de mim e balançou a cabeça num não.
- Isso não é verdade.- disse.- Você me prometeu que vai melhorar, e eu confio em você.- sorriu.
- Isso aí.- Waliyha e Doniya falaram juntas.
Forcei um sorriso e voltei a comer. Terminamos e assistimos um pouco de TV. Logo as 3 estavam dormindo no sofá. Eu também estava quase apagando quando ouvi um barulho na porta. Olhei para o relógio, e eram quase meia noite. Fechei os olhos e fingi que estava dormindo.
- Viu só? Olha a hora! Tudo culpa sua! Ninguém mandou dirigir bêbado.- reclamava minha mãe.
- Eu não estava bêbado, foi o desgraçado atrás de mim que se fingiu de inocente! Ele que acertou o carro!
- Dane-se o carro, estou preocupado com nossa famí...- ela parou de falar e começou a sussurrar.- Estão dormindo na sala e, ah! Zayn está aqui.- exclamou.
- O quê?
Ouvi passos se aproximando de mim.
- O que Zayn faz aqui?- meu pai perguntou.
- Essa é a casa dele, oras.
- Será que chegou agora?
- Acho que não, olhe as meninas. Estavam aqui com ele. Me faz um favor e leva a Safaa pro quarto? Depois a Waliyha?
- Tudo bem.
- Acho que Zayn e Doniya não vão se importar de dormir no sofá hoje.- ouvi certa diversão na sua voz.
Logo senti minha mãe beijando minha bochecha, suas mãos acariciando meu cabelo.
- Boa noite. Eu amo vocês.- sussurrou.
Uns minutos depois, notei que as luzes se apagaram e tudo ficou quieto. Resolvi continuar ali no sofá. Me ageitei e suspirei. O que estou fazendo da minha vida?