❝ Prólogo ❞

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Os acontecimentos mais marcantes da nossa vida sempre surgem de repente, como uma fagulha de fogo enquanto esfregamos duas pedras para acender uma fogueira. Eles vêm sem aviso prévio, sem nem mandar-nos algum sinal ou fazer-nos ter alguma intuição sobre o que poderia acontecer. Mas, confesso, fora muito melhor assim, pois eu não sei se teria fôlego para o que viria a seguir.

A praça estava bastante movimentada para uma tarde de inverno. Normalmente as pessoas costumam ficar em casa naquela estação, com os seus cobertores aconchegantes e bebidas quentes, além de uma lareira para se aquecer. Eu poderia estar fazendo isso, mas o inverno era uma estação muito bonita para se contemplar dentro de casa.

Meu pai estava animado, lembro-me bem. Mamãe estava graciosa, sorrindo como se fosse primavera e numa expressão leve e satisfeita. Algumas crianças jogavam neve uma nas outras - uma guerra de bolas de neve -, outras construíam bonecos de neve e ainda tinha as que faziam anjinhos na neve. Era muito bonito de se ver.

Eu não era tão alto para a minha idade; as outras crianças de nove anos pareciam poucos centímetros mais altas do que eu. Mas eu absolutamente não me importava. A única coisa que eu ligava naquele momento, era em comer a minha maçã vermelha enquanto assistia ao movimento.

— Mark, por que não se junta às outras crianças? – papai propôs, com o seu sorriso gentil e despreocupado.

Eu olhei ao redor.

— Não conheço ninguém por aqui! – exclamei, um pouco tristonho por esse fato.

— Por que não tenta fazer amigos, huh? – ele bagunçara o meu cabelo, o que me foi o suficiente para me afastar deles.

Eu não queria fazer novos amigos. Conversar com estranhos nunca fora algo do meu feitio, principalmente com aquelas crianças do parque. Eu sempre fora bom em observar, não em participar. Me perguntava se passaria a vida toda assim.

Talvez só pelo fato de eu ter me afastado e sentado no balanço, meus pais tenham pensado que eu estava socializando. Eu mesmo me balançava e olhava as outras crianças enquanto ainda comia a minha maçã. Ela era intensamente vermelha, e eu tive vergonha de mim mesmo após tê-lá mordido e caído no chão com uma encenação barata de Branca de Neve.

Felizmente, ninguém me vira encenar, o que foi realmente um alívio. Eu não gostaria de ser vítima de gozações até fora da escola, embora fosse haver quem dissesse que eu pedi aquilo. Eu já estava acostumado em brincar sozinho, o que me surpreendia mesmo era quando alguém se aproximava. Foi assim que eu conheci SeungWan, um garoto amável de dezessete anos, cabelos escuros e com pontas azuladas, além de brilhantes olhos verdes. Era o único amigo que eu tinha. Mas, naquele dia, ele estava com os amigos da idade dele, treinando um pouco de esqui do outro lado daquela enorme praça.

— Ei, menino! – alguém me chamou ao meu lado, e eu quase me assustei ao ver uma menina com uma voz meio masculina. — Não vê que os seus pais te chamam? E eu quero brincar no balanço! - ela sacudiu a corda propositadamente para eu cair, em vão.

— Engula! – me levantei e olhei para os meus pais, eles acenavam para mim. – Tomara que se engasgue!

— Tomara que você caia e meta a cara nessa neve! – era comum esse tipo de "praga" ou desejos malvados entre crianças, mas esse até hoje me surpreende.

Eu a deixei lá resmungando, e percebi que talvez fosse esse motivo o qual eu não tinha amigos. Era frustrante e ao mesmo tempo reflexivo. Eu sempre fui impaciente, e aquela menina realmente quis confirmar esse fato. Mas eu pouco me importava com ela ou sobre meter a cara na neve; eu estava correndo para os braços de minha mãe.

Notei que meu pai segurava um pacote de biscoito aberto, então concluí que me chamaram para comê-lo. Minha mãe estava de braços abertos, me incentivando a correr mais rápido naquela neve espessa e branquinha. E eu estava tentando.

Tudo acontecera rápido demais, de um modo surpreendente. Era como se aquele som ensurdecedor tinha vindo do além; mas estava tão perto de mim... Aquele mesmo som do videogame quando se mata um zumbi, ou de algum filme de ação de Hollywood. Num segundo, eu estava sorrindo e correndo até os meus pais. No outro, estava com os olhos arregalados diante do terror.

Foram dois tiros, ou pelo menos fora isso o que eu escutei. Eu vi a minha mãe cair no chão bem na minha frente. Ela caiu não muito perto de mim, pois eu ainda avançava. Mas eu já estava desgovernado, eu já não sabia mais de nada. Foi então que eu caí.

Aquela menina poderia exercer um bom papel de feiticeira, pois o que ela desejara-me realmente aconteceu: eu caí no chão com a cara na neve. Minha maçã vermelha rolou sobre aquela fofura esbranquiçada do inverno, e fora exatamente nesse momento que percebi que ela não era tão vermelha assim... Não comparada ao sangue da minha mãe na neve.

Minha visão estava embaçada quando ergui a cabeça, tudo estava girando e meio turvo. Não sabia se era por conta da queda ou da neve nos meus cílios, mas isso também não vinha ao caso naquele momento.

Pensei que tinha sido um sonho ruim, mas tive um vislumbre de um homem encapuzado se aproximar do meu pai, que estava aturdido e perplexo com o que acontecera, tanto que não conseguia mover um músculo. Papai estava em estado de choque.

A essa altura, não havia mais criança alguma no parque, e até os vendedores de guloseimas já tinham pego as suas mercadorias e sumiram. Só havia eu, o corpo da minha mãe, o encapuzado e meu pai.

Mas logo foi a sua vez, infelizmente. Eu escutei um pedido de misericórdia escondido num grunhido profundo. Ele estava de costas para mim, mas logo fora ele a cair e largar o biscoito, deixando-o espalhar-se ao chão. Eu vi o seu sangue, aquela cor escarlate que estava me dando náuseas.

Fora depois daquilo que eu vi a lâmina ensanguentada na mão daquele sujeito. Eu quis me levantar e golpeá-lo, mas eu estava entorpecido demais.

— Tem gosto de neve! – foi o que o homem falara assim que mordeu um dos biscoitos de meu pai que caíram na neve. Ele ainda o cuspiu.

Seus passos foram pesados na minha direção. Eu senti que a morte estava perto e que não poderia fugir quando – nem em sonho –, eu conseguia me levantar. Minha sorte foi que ele estava um pouco longe de mim e não tinha pressa alguma para me matar.

Ele iria me matar.

Não demorou muito para eu sentir uma mão segurar a minha e me puxar. Quando dei-me conta, já estava correndo para longe dali e sendo levado por SeungWan. Ele parecia focado em livrar-me daquele trágico destino que meus pais tiveram. Eu não tinha visto a hora com que se aproximou, levando em consideração que, minutos atrás, ele estava do outro lado da praça, e ela não era tão pequena.

Ele apertava a minha mão, o que fê-la doer bastante e provavelmente eu iria ter cãibra, mas isso não tinha tanta importância naquele momento. Nós corremos por todos os lados; entramos em becos, nos escondemos atrás de carros e ainda entramos em estabelecimentos para tentar despistá-lo.

Eu o vi de relance passar direto pela viela onde nos escondíamos. Era um pequeno espaço entre uma cafeteira e uma lavanderia e que não tinha saída. Ele não nos viu e eu também não o vi mais. Eu estava assustado demais.

— Você se machucou? – SeungWan perguntou-me, fitando-me atentamente com aqueles olhos verdes intensos.

Eu não respondi. Apenas me encolhi contra a parede e deixei as lágrimas caírem. Neve e sangue; eu me recordei. Aquilo deveria ser um pesadelo, mas por que eu não acordava quando me beliscava?

SeungWan me abraçou e disse-me consolos bonitos que nunca irei esquecer. Mas o que também me foi inesquecível fora a morte dos meus pais realizada por aquele monstro.

Enquanto nos braços quentes e consoladores de Seungwan, eu jurei que não descansaria em paz até vê-lo morto... E sou eu quem irá fazer as honras.

Snow, Blood and Love? - mark+jisungOnde histórias criam vida. Descubra agora