Capítulo 2
Jogar de camper era a lei
Era incrível como as pacatas ruas de Mirabela conseguiam ficar ainda mais pacatas aos fins de semana – principalmente depois do almoço. Ao chegar à primeira rua da cidade, vindo da chácara, Aurélio sentiu-se num lugarejo fantasma. As calçadas, todas vazias, deram-lhe vontade de disparar correndo sem parar até chegar à lan-house; visto que a bainha, presa sob sua camiseta, o impediria de se machucar – porém não queria que a população achasse que era louco ou no mínimo alguém bem sem educação. Seguiu andando, analisando o cenário.
O dia estava quente, com um céu azul de poucas nuvens – o sol parecendo espantar quem estivesse em terra para dentro de suas residências, e as pessoas cumpriam muito bem a ordem. No interior das casas e sobrados, os moradores, de barriga cheia, tiravam sua sesta. Um ou outro comércio permanecia aberto, como bares e um mercadinho onde frequentemente fazia compras para Merlin; além de ser possível ver indivíduos solitários atravessando as ruas aqui e ali, como se fossem os últimos seres humanos na Terra. Passando por uma esquina, Aurélio encontrou algumas crianças brincando na calçada com um cachorro, enquanto uma mulher – provavelmente mãe de uma ou algumas delas – observava atenta da porta de casa. Carros vagueavam pelas vias centrais; outros eram lavados por seus donos em suas garagens.
Alguns tentavam vencer a moleza do sábado com o movimento; mas ela tinha mais seguidores, e por isso conseguia prevalecer sobre os poucos que o preferiam.
Logo o garoto chegou à pracinha da matriz, uma pequena igreja de torre azul. Venceu a tentação de deitar sob a sombra de uma das árvores que ali existiam, como já fizera algumas vezes em tardes calorentas, e continuou até o prédio amarelo da lan-house, situado numa esquina do outro lado da praça. Aurélio sempre achava engraçado o desenho pintado numa das paredes do lugar de um menino de boné e camisa listrada – que lhe lembrava um pouco o amigo Bruno – sentado com uma expressão alucinada diante de um computador. Ao lado dele, o nome do estabelecimento, "Mirabela Virtua" – e uma listagem dos serviços que oferecia: Internet, Games, Impressão e Xerox, tudo em vermelho.
Na calçada diante da lan-house, embaixo da refrescante sombra de uma árvore, seus três colegas da escola o aguardavam.
Uma das poucas compensações que vinha tendo em relação ao afastamento de seus amigos do Rio de Janeiro eram os novos amigos que fizera na sua turma de oitava série – ou como agora diziam, nono ano – na escola nova em que entrara assim que chegou a Mirabela. Três garotos bem bacanas, os quais gostavam mais ou menos das mesmas coisas que Aurélio – não deixando faltar assunto para conversa ou coisas que fizessem juntos. Gostava mesmo deles, a ponto de cogitar até contar-lhes sobre seu segredo; coisa que não fizera por saber ser arriscado.
Celso era meio que o "líder" da turma, já com dezesseis anos – ainda na oitava série devido a alguns anos que perdera. Era o melhor de vida do quarteto, sempre andando com camisetas de personagens de games – como a do "Sonic" que usava aquela tarde, azul e branca – e tendo em casa um videogame de última geração, sempre convidando os outros para jogar. De aparência, era alto e magro, pele morena. Andava com o cabelo raspado na maior parte do tempo, além de ter um par de óculos com grossas lentes no rosto. Era sabido ter mais graus de miopia do que os ângulos que mediam nos exercícios de Geometria.
Ricardo era o meio-termo do grupo, em todos os sentidos: nem alto nem baixo, nem magro nem gordo. O cabelo era um misto de coloração loira e castanha; e a pele, de um tom branco meio pendente para o jambo. Gostava bastante de games e de ficar horas no PC, mas igualmente jogava bola no campinho da escola quase todo dia e era o único da turma que realmente se importava com futebol – sendo torcedor fanático do Cruzeiro assim como o pai. Suas notas eram imprevisíveis: numa mesma matéria, poderia tirar menos de cinco na primeira prova do bimestre e dez na segunda, estudando igual para ambas. Devido a toda essa contradição, sua personalidade era também indecisa: nunca tomava decisões pelo grupo e sempre seguia o consenso dos outros três meninos. Isso lhe valera um apelido que para alguns era mais conhecido até do que seu próprio nome: "Cê-que-sabe", devido à rotineira frase que soltava sempre que lhe pediam alguma opinião.
YOU ARE READING
O Legado de Avalon - Livro II: A Profecia do Condestável - DEGUSTAÇÃO
FantasyNas pistas de um mistério, a aventura continua... Passou-se um ano desde que o garoto Aurélio Britto, descobrindo ser o último descendente do Rei Arthur, batalhou com Morgana Le Fay. Isolado sob os cuidados do mago Merlin numa cidadezinha no interio...