O céu não estava tão limpo aquele dia. Algumas nuvens cobriam seu campo de visão, em uma espessa camada branca e irregular que parecia um grande e extenso terreno sólido e impenetrável.
Planando irreverente sobre aquele manto, não se importava em não conseguir enxergar a sua presa. Aguardava apenas a melhor oportunidade para descer de seu voo e se alimentar de qualquer resto que o olfato lhe permitisse identificar.
Despretensiosamente, ele pairava. Achar algo para comer era apenas uma questão de tempo, pois seu instinto lhe dizia que certamente encontraria alguma carcaça ou até mesmo alguma fruta podre para lhe forrar o estômago.
Raramente ele precisara de realizar o serviço sujo de retirar a vida de algum outro animal: a mãe natureza e o homem geralmente cumpriam esse papel.
Se pudesse refletir sobre seus atos, ele talvez se arrependesse de quando, em um ato de desespero, matou um pobre roedor desprevenido... O sangue quente, rubro e limpo sujando suas garras, seu bico e sua cabeça desprovida de plumagem.
Não, não era assim que costumava agir.
Começou a descida da altitude que se encontrava, cortando as úmidas nuvens de algodão enquanto o ar afagava as suas penas, não demorando até se deparar com as imagens em miniatura das árvores no solo e a imensidão daquele horizonte azul ligeiramente curvilíneo.
Crocitou.
Seu olfato apurado havia identificado algum cheiro tênue, um odor ligeiramente adocicado de decomposição.
Logo alguns outros abutres começaram a aparecer nas proximidades, crocitando, se juntando àquela dança circular lenta e fúnebre pelas correntes de ar quente que subiam à atmosfera, competindo pela iniciativa àquela refeição.
Seu instinto lhe pôs em ação.
Desceu ainda mais, em um rasante amparado por suas majestosas asas de penas negras . A mãe natureza lhe tinha feito mais astuto, afinal. Era sempre o primeiro a chegar e essa não era a primeira vez que seria diferente.
O cheiro estava um pouco mais forte agora, sentia que já podia identificar o local onde encontraria comida. Estava perto, podia sentir.
O horizonte agora era apenas uma linha reta que se estendia infinitamente, e as árvores estavam próximas o suficiente para que pudesse notar o movimento de suas folhas e galhos, o farfalhar causado pelo vento, e... O que seria aquilo?
Lá embaixo, uma caixa metálica se movimentava rapidamente por um rastro cinza-escuro no chão, emitindo sons agudos e melancólicos e seguindo à infinitude.
"Homens", pensaria, se pudesse ter tal discernimento. Não era a primeira vez que via uma caixa assim.
Voltou a crocitar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Escorpiões de Areia
RandomViajar é uma palavra que não falta na lista de desejo de muitos. Conhecer novos lugares, novos ares, pessoas, culturas; o antigo, o moderno; a aventura, a tranquilidade; no conforto de um hotel, em um movimentado albergue. Viajar, definitivamente, a...