Ana - I

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Ana estava com a cabeça encostada na janela entreaberta da Kombi, com seus cabelos sacudindo desorganizados com aquele vento uivante, acompanhando o som que tocava no rádio, um assobio clássico de uma banda alemã.

Eram ventos de mudança, mas ela não sentia diferença. Seu olhar encarava o horizonte, perdido, observando a silhueta delicada dos montes lá ao longe, sempre fixos em sua visão, ao contrário das árvores secas e retorcidas que estavam mais próximas à estrada, passando diante de seus olhos em apenas um piscar.

Ela se identificava com esse cenário. A maioria de seus amigos, parentes e colegas queriam que ela encarasse assim os seus problemas, sem análises, pensamentos ou reflexões, que apenas os visse como algo desagradável que aconteceu rapidamente em sua vida, assim como aquelas árvores sem vida que mal conseguia reparar.

Mas a sua identidade... não, não era como aquelas árvores. Muitos enxergam os problemas apenas como aquelas árvores que mal são vistas, esquecendo que a paisagem se estende ao horizonte, muitas vezes formando cadeias de montanhas que passam uma eternidade em nosso campo de visão.

Era um belo dia ensolarado, com nuvens tomando contornos cada vez mais delineados, pareciam desenhadas à mão. Algumas até ousavam descer aos montes do horizonte, em um espesso manto de névoa branca que poderia ser aterrorizante ou deslumbrante, dependendo de como alguém encara seus problemas.

Ana demonstrava medo. Aquela visão lhe fez levar as mãos ao colo, juntando-as e esfregando-as, aquecendo-se de um frio que, aparentemente, não existia.

– Quer fechar a janela? – Perguntou Luana, ao volante, sem tirar os olhos da estrada, mas notando a inquietude da amiga pelo retrovisor.

Ana não respondeu.

Luana diminuiu o volume do rádio, deixando a trilha sonora da viagem à mercê dos uivos do vento e do ronco do motor.

– Ana? – Perguntou novamente, descuidando um pouco do volante ao levar a mão à perna da amiga.

Ana deu um pequeno pulo em sua cadeira e virou-se assustada, como se tivesse acordado repentinamente de um pesadelo.

– Está com frio? Pode fechar a janela, se quiser. – voltou a mão ao volante. – Logo chegaremos. Antes do entardecer estaremos no acampamento – disse, esboçando um sorriso.

– Não... Não estou com frio... – respondeu Ana, com uma voz fraca e distante. – Só estou cansada da viagem. Deve ser isso... –

Um ronco diferente do que o motor fazia interrompeu Ana, e as duas amigas se entreolharem por um instante. Ouviram um segundo ronco, olharam para trás e começaram a rir. Luana gargalhou alto, levando o peito próximo ao volante em uma tentativa de se conter. Ana se limitou a dar uma risada abafada com a mão... Mas uma risada sincera e alegre.

– Se eu soubesse que a Nanda roncava desse jeito, eu teria trocado o motor por ela – disse Luana, voltando a gargalhar ao imaginar sua outra amiga atuando como um motor de carro.

– Eu ouvi, em? – gritou Ananda da parte de trás da Kombi em uma cama improvisada, sem tirar de cima dos olhos a camisa que usou para afastar a claridade. – Só aceito ser o motor se você for a buzina, com essa sua risada de ganso – retrucou, jogando a camisa na cabeça de sua amiga motorista.

– Ei! – Indignou-se Luana, agora séria – Não tem amor à vida? Estou dirigindo! –

Ananda sentou-se e colocou a cabeça entre Luana e Ana, com as mãos apoiadas em seus assentos.

– Se fosse para você nos matar, já teria nos matado – respondeu, com um sorriso cínico, dando um beijo no rosto da amiga – Além do mais, isso aqui é uma reta. Nos mate dirigindo em uma reta que eu te mato – continuou, dando um rápido toque na ponta do nariz da amiga com o seu dedo indicador.

Escorpiões de AreiaOnde histórias criam vida. Descubra agora