Tu eras também uma pequena folha que tremia no meu peito. O vento da vida pôs-te ali. A princípio não te vi: não soube que ias comigo, até que as tuas raízes atravessaram o meu peito, se uniram aos fios do meu sangue, falaram pela minha boca, floresceram comigo.
(Pablo Neruda)
O tempo que passava com minha mãe tinha uma péssima qualidade. Pensei que amanhã eu poderia morrer e ela teria poucas cenas de afeto para lembrar.
Então resolvi separar alguns ingredientes na cozinha e fazer uma lasanha. Queria agradá-la, me sentir mais próxima dela... E ela adorava lasanha.
Às sete horas em ponto a porta abriu. Eu zapeava pelos canais da TV.
— Mãe! Fiz uma lasanha pra a gente jantar!
Ela deu um largo sorriso — arruma a mesa, vou tomar um banho.
Pouco tempo depois ela voltou. Sentamos á mesa para saborear ao prato e assistir ao jornal. — Querida, está divina!
Enquanto tagarelávamos a jornalista de um destes canais Newns:
— Dante Alighieri... — meu corpo inteiro gelou, paralisei, de olhos firmes na TV, sem piscar.
— Uma divina "comídia". — Mamãe gargalhava, fazendo referencia ao comentário da repórter e à minha lasanha — desculpa, querida, não resisti à piada.
Os trocadilhos de mamãe eram sempre ruins, eu odiava. Comprimi meu nariz e boca, virando a cabeça infantilmente em sinal de desdém.
A repórter continuou — Um dos mais ricos empresários da América assumiu as negociações com famílias de áreas carentes, insatisfeitas com as desapropriações feitas pelo governo do estado para área que será destinada a um polo turístico. A obra em questão tem uma das subsidiárias de sua empresa como responsável pelo projeto. A repórter Débora Gusmão conseguiu uma entrevista com o empresário.
Joguei o prato e corri para o mais próximo da tela, bem naquele limite do quase vesga.
— Boa noite, Dante?
— Sai... sai logo daí! — Balancei minhas mãos da esquerda para a direita, como se pudesse remover a repórter por magia.
Quando a câmera deu um close nele, seus olhos na tela eram de um azul fascinante. Ele estava impecável.
— Boa noite. — Respondeu friamente, com um semblante cansado.
— O senhor é quase uma figura mítica no mundo dos negócios, conhecido como "o empresário de sucesso que não tem um rosto", o que o fez tomar as rédeas dessa negociação e se tornar uma imagem... pública — uhum até que ela resumiu bem minhas horas de pesquisa sobre ele na Internet.
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Blue Label: sobre meninas e pássaros
FantasíaDestino. Oito em cada dez pessoas preferem o azul. Eu sou uma delas. O azul do vestido de Cinderela que chorei para mamãe comprar, aos sete anos. O azul do balançador que me fraturou uma vértebra, aos nove. O azul da minha calcinha com uma suave mar...