Prólogo

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  Verena costumava amar o inverno. Havia algo sobre a maneira como a neve caía que a encantava. Talvez fosse a lentidão, que achava suave e sutil. A floresta nunca era tão bela quanto quando no inverno. Anjos na neve, guerras de bolas de neve, o frio que se alastrava nas casas e a proporcionavam aconchegantes momentos com sua mãe perto da fogueira.

  Mas o inverno era um vilão. E ela aprendeu do pior jeito.

  Vivendo sob a maldição, aprendeu que não havia nada de belo no inverno. Rodeavam sua cabeça as perguntas sobre como ele podia ser tão cruel. Era, ainda, muito bonito, sutil e suave, porém mau. Experimentou o inverno avassalador, que congela seu coração de dentro para fora, atinge seus ossos com brutalidade e o faz perecer. O inverno que era cenário de guerra e a neve que adorava se vestir com um manto de sangue.

  Uma, duas, três cabeças esmagadas por suas próprias mãos. Ainda era uma loba e usava os poderes de uma, só Deus sabia o quanto odiava, mas tinha que, ao menos, dar uma utilidade àquilo, tornando a usá-los para derrotar os soldados. Chegar até a rainha não seria tarefa fácil se tivesse qualquer tipo de compaixão para com eles, mesmo que enfeitiçados. Naquele mundo degenerado era matar ou morrer.

  O sangue cobriu quase todo seu rosto, como uma verdadeira pintura de guerra, grudando fios de cabelo e flocos de neve em suas bochechas. Sua postura firme de soldado determinado era algo superficial. Por dentro, estava ruindo, se destruindo aos poucos em remorso.

  Ao chegar no campo de batalha mais cedo, todos os seus instintos gritavam que seria a última. E não se importa se uma lâmina lhe atingisse o coração. Achava, verdadeiramente, que a única maneira de pagar pelos pecados cometidos naquela realidade seria morrendo. Porém, morreria em tentativa potencialmente falha de salvar seus amigos.

  Foi por isso que nunca parou de lutar. Mesmo que já não sentisse mais seus membros, e mesmo que o frio a fizesse tremer a cada golpe. No entanto, a adrenalina em seu corpo a manteve de pé, alimentada pelo ódio, pela dor da perda e da culpa. Estava disposta a morrer apenas por exaustão, mas o destino seguiu uma trilha diferente.

  Quando em um breve momento ela se virou, ainda muito furiosa, o que viu a fez paralisar. Tão inesperado que não soube o que fazer. Sabia que deveria reagir; Correr, segurar o corpo que caía no chão ou gritar. Mas foi capaz apenas de ficar parada, em choque.

  Até aquele momento, nunca pensou que pudesse, mas sentiu dor. Talvez por não querer presenciar mais uma morte, ou perder mais alguém – mesmo que esse alguém fosse seu pior inimigo-não-tão-inimigo-assim. Não mais, não naquela hora.

 Não mais, não naquela hora

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  Mais um. Mais um que ela não teve tempo de se despedir.

  A íris sobrenatural se dissipou com um arquejo. O suspiro de choque escapou quando ele caiu no chão. Antes disso, tudo em volta havia imaginariamente desacelerado, ela podia apenas focar naquele ponto. Tão desconsertada, tão em desespero que não percebeu o assassino atrás dela.

  Sentiu o ar sair de seus pulmões como um balão furado ao que a espada atravessou seu coração, fazendo-a engasgar. Olhou para a lâmina atravessada com uma expressão confusa no rosto. Como tinha acontecido tão rápido? Como não percebeu..?

  Não chegava perto do que havia imaginado. Tinha a ciência definitiva da morte, sentia a prata queimar em seu peito, mas por alguns poucos segundos ainda era capaz de presenciar as coisas ao seu redor. Assim que a lâmina desapareceu sendo puxada para trás, não conseguiu permanecer de pé por muito mais tempo, logo seu corpo cambaleou de forma que caiu de joelhos.

  Era irônico que tudo em seu interior parecia queimar com o gelo, com a prata, e com a dor. Seus últimos momentos em que sentiu-se novamente aquecida, depois de muito tempo. E logo depois seus sentidos já não funcionavam direito. Os sons a sua volta não passavam de ecos distantes e as pessoas não passavam de borrões, mas conseguiu focar em pelo menos uma coisa.

  De uma maneira muito lenta e difícil, olhou para o corpo poucos metros a sua frente. Encarou seus olhos, usou toda a força restante para focar neles e se encantar com a matiz verde e azul a olhando profundamente. Ainda existia vida ali. Foi como se pudesse pedir desculpas quando uma lágrima solitária desceu por sua bochecha pintada de sangue.

  Então a morte veio como um sedativo e sem qualquer aviso prévio.

  Ela simplesmente apagou, com o corpo caindo para frente e atingindo o chão. Teve a neve para desfrutar de seu sangue, em um último embalo de frio cruel. E, mesmo que de forma silenciosa e inesperada, morreu como queria, em um campo de batalha, tentando salvar seus amigos. A única coisa que gostaria de poder ter feito, antes de tudo, era ter dito uma última vez o quanto os amava.

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