Só digo uma coisa: foi mal pelo atraso de um dia. MAS HOJE ESTOU AQUI, um aninho mais velha já.
E digo outra: se preparem.
-x-x-x-
2018
Eu tenho a quantidade total de 25 reais em minha conta bancária. Acabei com meu primeiro salário na revista tão rápido quanto acabo com uma barra de chocolate, me deixando em uma das piores situações em que já estive desde que briguei com meus pais por abandonar o curso de Direito, há mais de três anos.
Lembrar de como era minha vida quando eu ainda era o orgulho de meus pais me causa tristeza; era bom não ter de me preocupar em pagar aluguel, contas, ou comprar comida. Era tudo um tanto mágico: em determinado dia do mês o dinheiro estava na minha conta e tudo o que eu precisava fazer era aproveitá-lo como eu bem entendesse.
Até o dia em que eu tive um ataque de pânico pensando em como eu estava desperdiçando minha vida.
Aquele não havia sido o primeiro; no ensino médio, na noite anterior ao vestibular, eu havia sido tomada pela falta de ar, palpitação, tontura e náusea que me fizeram acreditar que estava morrendo. Nesse dia, porém, eu não estava sozinha. Eu estava na casa de Augusto, assistindo a um filme que não consigo me lembrar do nome, quando comecei a pensar no que eu teria de fazer no dia seguinte e como eu desapontaria meus pais se não conseguisse entrar nesse curso. A sensação de sufocamento começou lentamente, até que eu não conseguisse me concentrar em nada além da certeza de que estava tendo um ataque cardíaco.
Augusto, de início, me olhou com horror. Acho que eu realmente parecia estar morrendo, porque seus olhos estavam arregalados e suas mãos seguravam meus pulsos com força. Ele dizia meu nome repetidas vezes, mas eu não conseguia dizer qualquer coisa, porque não tinha nem mesmo ar para me manter acordada - eu sentia que iria desmaiar a qualquer momento e que não acordaria mais. Percebi ali, que toda a minha vida havia se resumido a uma coisa: agradar meus pais. As únicas coisas que me traziam alegria de verdade era estar com Augusto e escrever, mas meus pais não faziam ideia dessa parte de minha vida. Sempre que eu ia em sua casa, o que acontecia com muita frequência, eu precisava mentir que estaria estudando com uma amiga, e eu era tão insignificante como indivíduo para meus pais, que eles nem mesmo cogitavam a hipótese de que eu poderia estar mentindo e ter outros interesses além de estudar. Isso, embora seja triste e frustrante, foi extremamente viável na época, já que passei inúmeras tardes na casa de Augusto, "estudando". Seus pais se acostumaram tanto com minha presença, que eu tinha até um lugar fixo na mesa de jantar.
Enquanto eu via minha vida se despedaçar diante de meus olhos, acreditanto que morreria a qualquer instante, Augusto me segurava em um abraço apertado e ligava para uma ambulância ao mesmo tempo. Nos cinco eternos minutos até que os paramédicos chegassem, ele me segurou contra seu peito com força, dizendo que tudo ficaria bem. Na hora, eu mal conseguia entender o que estava dizendo, mas mesmo assim, ouvir sua voz ressoando em meus ouvidos me fez ter esperança de que talvez aquilo pudesse passar.
E passou.
Os paramédicos me examinaram e fizeram algumas perguntas, explicando a nós dois em seguida que o episódio não havia passado de um ataque de pânico. Quando eles foram embora, eu me senti um tanto idiota por ter tido tanto medo, e meu melhor amigo estava aliviado como se eu tivesse acabado de sair bem de uma cirurgia de vida ou morte.
Em meu segundo ataque de pânico, prestes a começar o último ano da faculdade de Direito, mais uma vez pensei que estava morrendo. Mas dessa vez eu estava sozinha. A única coisa que passava em minha cabeça, era: "estou morrendo de verdade agora e não fiz absolutamente nada do que queria fazer. Não sei quem sou, e toda a minha vida não passou de um grande desperdício". Quando depois de 15 minutos tudo voltou ao normal, eu sabia que as coisas não podiam continuar do jeito que estavam, porque foi como se o universo estivesse me dando uma nova chance de viver; de viver como eu queria.
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Palavras escuras
RomanceCatarina tinha apenas um objetivo de vida: escrever. Na adolescência descobriu, nas aulas de Escrita Criativa, que escrever a fazia se sentir livre, como se pudesse ser quem quisesse. Seu sonho, porém, não envolvia um cargo não tão bem pago de estag...