2018
Enquanto caminho para dentro do hotel ao lado de Augusto, que tem sua mão esquerda confortavelmente pousada em meu ombro, me esforço para fazer o ar entrar e sair de meus pulmões. Eu não consigo pensar direito desde que entendi o porquê dele não me reconhecer, mas sei que preciso me recompor. Preciso me livrar da vontade absurda que estou sentindo de chorar e abraçá-lo o mais forte que posso; me livrar da vontade de perguntar o que aconteceu nesse tempo em que estivemos longe.
– Você está bem? – a voz dele me tira do transe e só então percebo como minha respiração está alta e pesada.
Não, eu não estou bem. Eu apenas quero ir embora.
– Sim – é tudo o que digo, mas minha voz sai estrangulada o bastante para qualquer pessoa perceber que não me sinto bem.
Augusto para de caminhar e tira sua mão de meu ombro, dando uma certa distância entre nós antes de se virar para mim.
– Você não parece bem – fala. – Até um cara cego consegue ver isso.
Eu observo seu rosto, tão familiar e tão diferente ao mesmo tempo, seus olhos tão lindos fixos no topo de minha cabeça, e minha vontade de chorar apenas piora. Tenho vontade de contar a ele nesse instante quem eu sou, mas nós temos uma sessão de fotos importante para gerenciar, e eu não quero estragar tudo.
– Eu vou ficar – digo, sem saber se essa é a verdade. – Estou apenas um pouco nervosa.
Ele assente, e a forma como é compreensivo apenas me faz lembrar uma das coisas que amava sobre ele na adolescência.
– Bem, hã... – começa, mas então se interrompe, franzindo o cenho. – Acabei de perceber que não sei seu nome ainda.
Eu engulo em seco, sentindo meu estômago revirar. Não é como se eu pudesse mentir meu nome; nós trabalhamos juntos e ele eventualmente descobriria a verdade. Assim, também não fazia sentindo não falar a verdade, afinal, não sou a única no mundo com esse nome.
– Catarina.
Sua postura, de repente, muda. Se antes ele parecia relaxado, agora seus ombros largos estão rídigos, e seu rosto muito mais sério que antes. Há um vinco entre suas sobrancelhas, e seus olhos passeiam de meu rosto para o horizonte antes dele fechar os olhos com força rapidamente. Sua expressão então se suaviza um pouco.
– Bem, Catarina - ele fala, e a forma como pronuncia meu nome faz meu coração aquecer. - Saiba que é normal ficar nervosa antes do primeiro evento.
Eu concordo com a cabeça.
– Você não está balançando a cabeça, está? Sabe que não consigo vê-la – ele diz, e há um quase-sorriso em seus lábios.
– Ah, me desculpe - digo, constrangida.
– Não se preocupe. Leva algum tempo até se acostumar.
Sem dizer qualquer outra coisa, eu o guiei até a área onde o ensaio acontecia e de imediato várias pessoas vieram ao nosso encontro. Augusto conversou com eles, explicando como a sessão aconteceria e quanto tempo tínhamos, além de passar outros detalhes importantes. Todos, incluindo a mim, prestaram atenção ao que ele tinha a dizer, e eu não pude parar para pensar o quanto deve ser difícil fazer seu trabalho sem poder enxergar. Mas isso não parecia ser um incômodo para ele ou para qualquer outra pessoa nesse momento; Augusto era competente e respeitado, e fazia seu trabalho muito bem.
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Palavras escuras
RomanceCatarina tinha apenas um objetivo de vida: escrever. Na adolescência descobriu, nas aulas de Escrita Criativa, que escrever a fazia se sentir livre, como se pudesse ser quem quisesse. Seu sonho, porém, não envolvia um cargo não tão bem pago de estag...