O lema da vida de André Costa era que sua deficiência não podia impedi-lo de viver. Seu pai já havia lhe dito isso muitas vezes durante seus doze anos de vida, e o menino já havia decorado todo o discurso: ele precisava ser forte e vencer cada obstáculo, visto que para ele tudo era duas vezes mais difícil.
Seu Miguel – o pai – levava o menino ao primeiro dia de aula na escola nova, naquela manhã de segunda-feira, no trânsito turbulento da cidade do Rio de Janeiro. Os carros, ônibus, caminhões e motos se cruzavam pelas avenidas, deixando todo o trajeto congestionado, às seis e meia da manhã no bairro da Tijuca. Sentado num dos bancos altos, André observava a rua pela qual seu ônibus passava. Via outros de sua idade, uniformizados, dando sinal para pegar outras conduções. Via ao lado de seu ônibus, outro jovem, pedalando também à caminho da escola. Eles corriam, saltavam e tropeçavam. Tinham a movimentação livre. André, não.
– Eu já falei que você deveria pensar nos seus pontos fortes – disse seu pai, logo ao lado – você não é nenhum coitado, André.
– Eu sei, pai, mas só fico triste às vezes. Nós vamos chegar atrasados hoje porque não pude correr pra pegar aquele ônibus – ele abaixou a cabeça – sou um fardo.
– Já falei pra você não falar essas besteiras. Presta atenção, André, se você disser isso mais uma vez, vai ficar um mês sem poder usar aquele negócio... Facetime, Facelooks... Aquilo lá! A rede social.
– Não é assim que se fala!
Ambos riram, enquanto lá fora os carros buzinavam.
– Ok, mas levante essa cabeça, meu filho. O mundo lá fora vai querer te derrubar, e o primeiro passo deles é fazer você abaixar o olhar – Miguel se levantou e puxou a cordinha que sinalizava o ponto – vamos, estamos chegando.
André realizou o procedimento padrão: pegou as muletas, encaixou-as nos cotovelos e pediu passagem. Desceu lentamente, pois era difícil descer degraus com uma perna só. Essa era sua deficiência, e às vezes ele achava que era uma maldição.
– Onde fica a escola? – ele perguntou.
– Ali, é uma ótima escola, agradeça a Deus pela marcenaria ter convênio com ela, ou não poderia pagar.
O local para onde Miguel apontou era belo, mais limpo do que os prédios periféricos. Desconfiado, André percebeu que era diferente das escolas públicas onde estudava. Era um prédio de fronte clara, atrás de grades brancas. Um sujeito servia de guarda na entrada. Quando viu Miguel, apertou um botão e deixou os dois entrarem.
– É grande aqui – André comentou, boquiaberto. Algumas crianças da entrada o deixavam passar com certo receio.
– É sim, e é uma ótima escola! Agora, vamos à sala da Diretora.
Ótimo. André sentiu o estômago se revirar. A primeira pessoa que iria conhecer da escola era apenas a mais importante dela. Tudo o que ele queria era sentar-se no fundo da sala, fazer um amigo ou dois e passar discretamente. Porém, nunca era assim.
Sua deficiência o colocava nos holofotes. Era sempre o "garoto especial" do colégio, e ficava impressionado ao ver como as pessoas não sabiam lidar a ausência de sua perna direita. Alguns fingiam que nada estava acontecendo, embora não parassem de olhar para o lado vazio do short, enquanto outros o tratavam como se ele fosse um bebê. Poucos eram aqueles que tratavam ele como deveriam tratar um jovem de 12 anos de idade.
Ele esperou que a Diretora fizesse parte da exceção.
Ao entrarem na sala, André logo sentiu frio por causa do ar condicionado. Viu as paredes cor de creme e a janela de persiana. Na mesa, uma miniatura de professora feita de cera, fazendo peso sobre alguns papéis. Uma mulher corcunda e de compleição abatida olhou para eles por cima dos óculos e ordenou que viessem a se sentar
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Tratado dos Pés Descalços
AdventureEste é um espaço para a degustação do livro que vai ser lançado na versão física! Clique para comprar! http://www.lojaeditoraskull.com.br/O-Tratado-dos-pes-descalcos-Guilherme-Viana -------------------------------------- André é um menino que sempre...