Capítulo 3

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- Eu não sei se isso é o correto. Eles sabem que você odeia pessoas? – Elizabeth pergunta para mim.

Sim. Aquela Elizabeth. A senhora de 79 anos é a minha única amiga neste lado do país. Eu sou originalmente do Texas, o que explica minha inusitada habilidade no pôquer. Meus pais são fazendeiros de gado e eu tenho todo o DNA de menina do interior em mim. Pena que estes traços não foram algo sobressalente. Eu sou a esquisita. Sabe? Aquela pessoa que não se encaixa nem lá, nem cá. Não sou do tipo que calça botas de vaqueiro e vestidos virginais. Mas não sou a imagem da garota de cidade grande. Eu sou apenas... eu. A velha Lana de sempre, com suas roupas esquisitas e óculos de armação grossa. Meu cabelo marrom está sempre preso em um coque bagunçado e minha mochila quadriculada está sempre pendurada em um dos meus ombros.

Eu posso ser alta, mas estou longe de ter um corpo de modelo. Muito pelo contrário. Eu estou com um notável sobrepeso, e minha pele está marcada com cicatrizes de garras de leão. Vocês sabem, as famosas, vulgo, estrias.

Mas perdemos o foco aqui. O que importa é que, esta senhora, de 79 anos, é o amor da minha vida. O humor dela é tão negro como o meu. Seus palavrões são quase tão frequentes quanto os meus e ela também não gosta de pessoas. Assim, como eu disse, minha alma gêmea.

- Não é que eu não goste de pessoas, eu apenas sou alérgica a pessoas ridículas! – Me defendo, enquanto finalizo nossa omelete.

Todo domingo eu venho jogar pôquer com Beth. Desde que nos conhecemos, quando ela fez uma solicitação na MCU por um voluntário de enfermagem para cuidar dela, enquanto se curava de uma queda onde quebrou uma perna, eu tenho vindo todos os finais de semana. Foi apenas natural que nossa relação progredisse para além do profissionalismo. Foi quando ela soltou o seu primeiro: 'não seja uma porra louca' para mim, que eu caí nos amores por esta velha senhora.

Ela não tem filhos ou parentes próximos, então adotei-a como minha, já que eu meio que estava numa situação semelhante.

- Me poupe, Lana. Sua bunda de vadia não suporta ninguém que você não vá com a cara. - Ela argumenta, quando coloco um prato na sua frente, na mesa da cozinha.

- Minha bunda de vadia? Pegou pesado, velha.

- Você me entendeu. Não se faça de tola.

- Eu sei, eu sei. É só que... pessoas são imbecis. E não é que eu não vá com a cara, é só que, eu não suporto aquela olhada da cabeça aos pés, que dirigem a mim. Ou as piadas ridículas.

- E você vai ficar chorando no canto esperando a vida passar?

- Não, só vou esperar elas morrerem. – Falo, naturalmente, enquanto ela engasga com a minha resposta.

- Oh, minha Lana, se essas pessoas morressem cedo, o mundo não estaria afundado neste monte de merda.

- Fato. – Finalizo a reflexão.

Comemos em silêncio, quando ela dá uma guinada em sua cadeira e bate com as mãos na mesa.

- Lana! É uma criança! Você por um acaso, já cuidou de uma criança? – Ela pergunta, com seus olhos azuis arregalados.

- Bem... não deve ser tão difícil, sim? – Pergunto, baixinho. – Quer dizer... não é só alimentar, limpar e fazer com que gastem energia para que possam ir dormir?

- É uma criança, não um cachorro, Lana. – Ela argumenta, apontando o garfo vazio para mim.

- Não são estes, dois sinônimos? – Perguntei, curiosa. Sempre me falaram que crianças são como cachorros.

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⏰ Última atualização: Mar 11, 2018 ⏰

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