— Tô atrasada! — Bia grita, entre o quarto e o corredor. — Cadê meu pincel? — grita de novo. — Meu estojo!
— Tá aqui na mesinha — respondo alto. — Tá tudo aqui. — Ela vem para a cozinha e enfia tudo na bolsa, inclusive, uma maçã de cima da bancada. — Você não é mais bichete, não precisa ficar louca com atrasos.
Beatriz sai antes de me responder. Temos essa conversa quase todos os dias, ela fica atrasada e louca com seus projetos, enquanto eu tomo café, assisto isso e ouço Adele.
Moramos em um prédio perto do campus, coisa de duas quadras. É uma construção velha e com cheiro de umidade, mas é bem legal até. O aluguel é barato, e nossos vizinhos são todos alunos da faculdade também. É bem calmo, algumas vezes tem festas, mas, diferente de tudo o que imaginei, não é nada estilo American Pie.
Quando se entra numa faculdade, a gente imagina que vai ser festas o tempo todo e muita bebida, mas é xerox todos os dias e lágrimas escondidas se você não conseguir entregar o trabalho a tempo. Não vou dizer que é uma tortura cem por cento do tempo, mas uns noventa devem ser. Tipo, temos alegrias também, tem os gatinhos dos cursos e a liberdade de poder ir para os lugares.
Morar com a melhor amiga tem várias vantagens, e faculdade é bem diferente do Ensino Médio: se você quer aprender, senta e aprende, se não quer, sai da sala e se fode. Aqui não tem ninguém para passar a mão na sua cabeça e dizer que precisa ir bem na matéria. Somos, na medida do possível, adultos.
Ou quase isso.
Os professores acham que somos adultos suficientes para termos nossas responsabilidades e arcar com as consequências de nossos atos, enquanto o mercado de trabalho acha que somos imaturos e que não somos capazes de fazer algo brilhante. É uma fase complicada.
Quem me dera voltar para o Ensino Médio. Nunca mais reclamaria de uma prova de matemática, porque as provas daqui são uma loucura.
E tem trabalho. Ou estágio.
Sério.
É uma invenção desumana para nos aprisionar cinco horas por dia, abusar da nossa boa vontade de estagiário e nos pagar com um salário que consideramos injusto, mas sem ele, piramos. Somos, praticamente, adestrados para fazer coisas.
É confuso e gostoso ao mesmo tempo. Isso só pode querer dizer que estou perdida, mas mais gente deve estar.
Não vou entrar nos detalhes de meu curso. É uma droga. Não totalmente, mas dá vontade de pular da janela, de vez em quando. Ou jogar alguém de lá, depende do tempo.
A cada dia que passa, fico deprimida com este ambiente. Estou longe de casa e, apesar de já estar acostumada, não é a mesma coisa. Não sei. Bia também se questiona sobre isso, mesmo parecendo mais adaptada do que eu. Seu curso é integral, o meu é noturno, então, ela fica na correria o dia todo.
Eu consegui um estágio em uma empresa próxima daqui, de decoração e essas coisas. Eles arrumam festas de casamentos, coquetéis e tudo o que você quiser desde que tenha grana para gastar. Inclusive, tem uma parte com designer de interiores e projetos em expansão. O que tem a ver, eu não sei, mas o lugar é bacana e está ganhando notoriedade.
Termino de arrumar minha bolsa e saio.
Na rua, o vento fresco de agosto bate em meus braços descobertos. Tomo um táxi para não chegar atrasada, mas costumo ir a pé mesmo. Não é tão longe assim, e Bia daria um sermão de sedentarismo se me visse agora, mas foda-se.
— Stela, ainda bem que chegou — minha chefe se dirige a mim em um tom duro, nem saí do elevador direito. — Temos três eventos e um projeto, preciso da sua ajuda.
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[DEGUSTAÇÃO] Entre Will & Vodka
Literatura FemininaExistiam duas coisas que a pequena Stela queria mais que tudo em sua vida. A primeira era crescer. Nada a fascinava tanto quanto o mundo adulto e as coisas legais que poderia fazer nele. A segunda coisa era um pouco complicada: ela queria que Will g...