Capítulo 1

175 19 11
                                    


Preto...

Preto.

Preto?

― Preto! ― Todas as possíveis e imagináveis colocações que poderiam ser dadas em resposta ocupavam a mente dos dois adultos presentes no impessoal e luxuoso quarto de hotel.

Tinha sido difícil para Michelle Bouvier se obrigar a dizer tal palavra. Tanto por seu amor, aparentemente não correspondido, quanto por sua natureza submissa e persistente. Por muito tempo ela tinha lutado e se agarrado ao pouco que tinha, mas em sua concepção, tinha chegado a hora de se retirar de campo e deixar o caminho livre... De abdicar de si em prol do outro. Era uma atitude altruísta, e por mais que ela dissesse a si mesma que essas eram todas as razões que a tinha motivado a pronunciar a safeword que decretaria o fim de seu relacionamento, a verdade é que ela tinha sido movida por uma certa dose de egoísmo. Não um egoísmo ruim, daqueles em que uma repreensão deva ser aplicada ou um daqueles sentimentos destrutivos que afasta a tudo e todos. Não! Era mais como um egoísmo nascido do amor próprio. Uma forma de proteger a si mesma, de manter ao menos um pequeno pedaço de seu coração intacto. Se ela pudesse se retirar com dignidade, antes de ser convidada a se retirar... Então, pelo menos, o seu orgulho sairia intacto. Pode parecer pouco, mas para alguém que por muito tempo foi obrigada a viver sem nada, manter a cabeça erguida era, sim, uma grande vitória.

Já para Henry Marshall, a fatídica palavra tinha sido... Na melhor das hipóteses, surpreendente. Sim. Ele sabia que tinha errado em muitos aspectos, e de certa forma, não se considerava digno de tê-la por perto. Mas, preto?! Deus! Isso nunca tinha passado por sua cabeça.

Especialmente, agora.

Especialmente, quando ele sentia que precisava dela como nunca precisou de alguém antes.

Ele era um Dominador. Um homem forte em todos os aspectos e extremamente centrado. Supõem-se que um homem como ele não se assustaria facilmente. Mas naquele momento, Mestre Marshall se encontrava mais assustado do que seria capaz de se lembrar de já ter estado em toda a sua vida. O passado havia batido à sua porta, e lhe obrigado a desenterrar lembranças dolorosas há muito enterradas no fundo da sua alma. Lembranças com as quais ele não podia, não sabia, lidar. Lembranças que o faziam se questionar a cerca de tudo o que o definia. Lembranças que faziam uma culpa esmagadora se apossar dele.

E agora, ela, aquela de quem ele necessitava com demasiada urgência, estava disposta a ir embora... A deixá-lo. E ele não sabia bem como encarar tal situação, especialmente ao constatar que não estava, nem um pouco, disposto a deixá-la ir. Não dessa forma.

Ele não sabia o que a tinha motivado a deixá-lo, embora imaginasse que o incidente com Emma Stewart e Jason Vanut tivesse sido o responsável por tal atitude, mas sabia que não abriria mão dela tão facilmente.

Uma parte de si lhe dizia que ela tinha todo o direito de terminar o frágil relacionamento que mantinham, e que ele deveria, como o cavalheiro que havia sido criado para ser, acatar a sua decisão. Porém, no cabo de guerra do egoísmo que os trouxeram até aqui, o dele era inegavelmente mais forte.

Mestre Marshall não se retiraria do jogo tão facilmente.

― Você não pode simplesmente me dizer isso e ir embora! ― Henry se apossou do braço feminino quando Chelle tentou passar por ele e deixar o quarto.

Ela fechou os olhos, desejando que ele tivesse permanecido em silêncio e a deixado ir sem maiores confrontos. Seria tão mais fácil... para ela, para ambos.

― Sim, eu posso! ― Chelle respondeu, decidida a não se deixar influenciar. Sua decisão havia sido tomada e, segundo o que ela acreditava, era a única correta. Ela não podia fraquejar agora, mesmo que uma centelha de esperança tenha se acendido em seu coração. Talvez ele a quisesse por perto. Talvez se ele dissesse as palavras que ela precisava ouvir... ― "Artigo 1°: A submissa possui o inalienável direito de deixar de ser submissa quando quiser..." Lembra? ― Ela continuou, na vã tentativa de persuadi-lo a deixá-la ir. Ou de impedi-la, efetivamente.

Ela tinha conseguido atingi-lo em cheio. E, em meio às dores de um coração partido, Henry considerou a citação de um dos artigos do contrato que os dois haviam assinado como um golpe baixo.

Ele soltou o pulso feminino, não sem antes, inconscientemente, correr os dedos pela pele macia. Mas, antes que ela pudesse deixar o quarto para trás, ele disse suavemente:

― Então, é assim que você vai embora? Como uma covarde? ― As palavras poderiam até serem interpretadas como ofensivas, se não fosse a forma como ele as pronunciou. Em seu tom de voz não existia nada além de tristeza.

Embora Chelle soubesse que a dor na voz masculina não era, exatamente, pela sua partida, e isso intensificasse a sua própria dor, ela se sentia tentada a consolá-lo, cuidar dele, fazer qualquer coisa para que aquela tristeza o abandonasse.

― Covarde? ― Ela repetiu, achando o termo absurdamente mal-empregado. Ela nunca precisou se armar de tanta coragem, quanto na hora em que pronunciou "preto".

― A mulher que eu conheci, acolhi e para quem dei a minha coleira costumava ser forte, perspicaz e corajosa, apesar de tê-la conhecido no pior momento da sua vida. ― Ele respondeu, com seu olhar prendendo o dela. ― São as características que me vem à mente para definir alguém que, mesmo estando feriada, foi capaz de voltar a erguer a sua cabeça, de persistir naquilo que desejava, de assumir a sua natureza... Então, "covarde" é a única forma que eu posso definir essa mesma pessoa quando ela está prestes a fugir de uma simples conversa.

Michelle precisou de muito esforço para manter a sua cabeça erguida. Como sempre ele estava, de certa forma, com a razão. Ela estava mesmo fugindo, mas não por medo da conversa que ela tanto tinha insistido em ter, embora soubesse que ouvir, de sua boca e olhando em seus olhos, tudo o que ele tinha para dizer, provavelmente, massacraria seu coração. Ela estava fugindo porque uma parte de si ainda o amava, mesmo sabendo que não era correspondida. Estava fugindo porque a cada segundo que permanecia de frente para ele, sua dor aumentava. Estava fugindo porque queria, acima de tudo, que ele estivesse livre para buscar a sua felicidade, mesmo que isso significasse a sua derrocada. Estava fugindo porque ela precisava, desesperadamente, manter ao menos um pequeno pedaço de si intacto. Estava fugindo porque tinha medo daquele maldito par de olhos azuis a fazer esquecer de todo o resto e continuar a insistir no que nunca daria certo.

Por um segundo, Henry imaginou que tinha conseguido, através de suas palavras, convencê-la a ficar e a ouvi-lo, mas quando ela quebrou o contato visual e abriu a porta, ele precisou se agarrar a todo o seu orgulho próprio para não cair aos pés dela e implorá-la para que ficasse.

― Talvez, eu sempre tenha sido covarde. ― Ele a ouviu sussurrar antes que a porta fosse fechada suavemente.

Ela tinha ido embora... E todo o mundo que Mestre Marshall cuidadosamente criou em volta de si nos últimos anos desmoronou.

Despertar de um DominadorOnde histórias criam vida. Descubra agora