Prólogo

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Os trovões e relâmpagos eram as únicas coisas que iluminavam a floresta dos arredores do castelo. Eu observava a tempestade através de uma enorme janela no corredor das escadas espirais do castelo. Eu estava no oitavo andar da torre, mas ainda assim, dava pra sentir o cheiro da terra molhada lá em baixo. Já chovia a algumas horas sem parar, e a noite já havia caído a algum tempo. Lá no alto do céu negro, olhava para mim, uma enorme lua cheia amarelada. Aqueles eram os meus últimos minutos de paz.
Sequei minhas lágrimas, e pisquei o olho várias vezes para tirar a umidade de meus olhos, a duquesa não podia ver esse meu sinal de fraqueza, isso era inaceitável naquele castelo. Assim que retomei o fôlego, me despedi do luar pela janela e voltei a subir as escadarias. Com passos apressados, eu podia sentir meus próprios batimentos cardíacos, estavam cada vez mais acelerados. Uma gota fria de suor escorria da minha nuca até as costas por dentro do vestido. Quando subi o último lance de escadas, caminhei até o corredor escuro. Não haviam janelas, a única iluminação existente nessa parte do castelo eram as chamas trêmulas das velas nos castiçais presos às paredes, não era possível ver o final do corredor, apenas uma mancha negra disforme.  Meu corpo todo esfriou e meus pés se paralisaram. Era um sentimento normal, todas as amas e serviçais do castelo sentiam o mesmo pavor deste corredor sombrio. Era o corredor do quarto de Isabel Bathory, a Duquesa de Sangue. Engoli minha saliva, fechei meus olhos e respirei fundo. Minha pálpebra direita tremia incessantemente. Tornei a caminhar corredor sombrio adentro. 
Tanto o chão, quanto as paredes e teto daquele corredor eram feitos de rochas e tijolos de pedra negra, o que dificultava ainda mais a visão, e para piorar, o espaço entre cada castiçal era de quase dez metros, o que inutilizava a minha visão durante longos trechos do corredor. Meus olhos se arregalavam independentemente para tentar capturar o mínimo de informação. Quanto mais eu me aproximava do quarto da duquesa, mais a atmosfera parecia ficar pesada e algo parecia bloquear meus pulmões. A sensação era de que o ar simplesmente se recusava a entrar no meu nariz. 
Finalmente cheguei até a porta do quarto. Meus tornozelos tremiam e minhas pernas lutavam para não ceder. Minhas mãos trêmulas voaram até a maçaneta dupla e agarraram as argolas douradas suspensas sob a maçaneta. Eu bati as argolas duas vezes na porta de madeira. O corredor era tão fechado, estreito e claustrofóbico que o barulho da batida pareceu cinco vezes mais alto enquanto ecoava por toda aquela parte da torre. Olhei para trás e tudo o que eu vi foi escuridão. Aquela torre possuía uma parede de cinco metros de espessura. Por isso todo o som que se propagava ali dentro, permanecia ali. Ocorriam boatos entre as outras servas, que as paredes foram projetadas assim propositalmente para que os guardas não ouvissem os gritos das serviçais que a duquesa torturava em seu quarto. Acho que eu estava prestes a descobrir se esses boatos eram verdadeiros.
Poucos segundos após eu bater na porta, pude ouvir a voz da duquesa:

— Entre!

Meu coração parou. A voz dela era tão firme e opressora que fez a atmosfera pesar ainda mais. Pude sentir minhas costas se encherem de suor, e meu coração estava prestes a pular pela boca. Eu botei as mãos nas maçanetas, girei-as, e empurrei as portas duplas. Adentrei o quarto escuro de cabeça abaixada. Minha franja cobria os olhos, e era melhor que fosse assim, a duquesa não permitia contato visual de suas criadas, a não ser que ela pedisse - "Pedisse", não. Ordenasse.
Havia uma única fonte de iluminação dentro do quarto, que era um castiçal de ouro sobre uma mesa no centro do quarto que suportava belíssimas taças douradas e uma garrafa de vinho aberta. Virei-me em direção à cama da duquesa. Pela visão periférica, pude vê-la nua sentada em frente à penteadeira à esquerda de uma enorme cama. Através do véu vermelho da cama ornamentada, pude ver Alice e Dorothea, duas criadas. Minhas colegas. Elas estavam nuas, e dormiam pesadamente, pareciam exaustas. Eu havia acabado de confirmar um outro boato que corria pelo castelo. A duquesa realmente dormia com as empregadas quando o duque estava fora. Percebi que a duquesa me observava pelo espelho da penteadeira, então logo tirei minha atenção de minhas amigas deitadas na cama e voltei-me para a duquesa. Seus longos cabelos negros corriam embaraçados sobre as costas da duquesa. Caminhei até ela e peguei o pente ao lado do espelho, minha cabeça e meu olhar continuavam apontados para o chão. Eu não podia ver, mas eu tinha certeza de que ela estava olhando para mim. Meu medo só aumentava, eu não podia cometer nenhum erro. 
Caminhei de volta para as costas da duquesa, seus cabelos ainda estavam molhados, bem como todo o corpo dela. Pequenas gotículas escorriam de seus ombros até suas costas nuas, e seguidamente, escorriam para sua bunda. A pele da duquesa, apesar de pálida, era macia e bem cuidada, uma pele invejável para muitas mulheres como eu. 
Com meu coração palpitando, peguei suavemente uma mecha negra e comecei a passar o pente suavemente de cima para baixo. Gotas de água caíam das mechas nos meus pés a cada passada com o pente. Ela havia acabado de tomar banho. 

Abismo - Filhos da Meia-NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora