Capítulo 2 - Névoa

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Acordei melhor do que ontem. Dois minutos antes do despertador significa, para mim, um dia de sorte. Ou pelo menos, é o que eu sempre penso quando isso acontece. Seria tão bom se superstições fossem reais, acho que o mundo seria um pouco menos caótico e mais controlável.
Sempre que acordo, permaneço alguns segundos olhando para o teto e os pequenos e finos raios de luz do sol que passam pelos buraquinhos de arejamento da janela de madeira.
É o primeiro dia de aula, duvido que alguém sentiria minha falta.
O que está havendo comigo? Normalmente eu ficaria empolgada com uma escola nova. Acho que eu simplesmente não tenho mais ânimo pra isso.
Sentei-me na beirada da cama e pude ver meu próprio reflexo no espelho longo na parede ao lado da porta.
Cortar o cabelo acima dos ombros foi a minha melhor decisão na vida, sem dúvidas. É tão libertador não precisar mais passar uma hora me arrumando. Acho que qualquer outra garota com o cabelo na altura da bunda teria se arrependido de cortar assim.

Depois de me trocar, desci as escadas. O Cauê e a mãe já estavam na mesa tomando café.
Cauê comia um cereal de bolas chocolate com leite. Eu adorava quando era criança.
Preparei dois lanches com pão de forma e patê, cortei em pedaços na horizontal e guardei tres pedaços num pote, enquanto comia o quarto. Em seguida guardei o pote na minha mochila.

- Consegui uma folga no hospital. - Disse minha mãe. - Vou tirar a tarde pra adiantar as coisas por aqui, mas acho que ainda não termino hoje. Vocês podem me ajudar quando chegarem da escola?

- Claro!

Disse o puxa-saco entusiasmado, enquanto apenas assenti com a cabeça e de boca cheia.

- Depois me digam o que acharam da escola nova.

"Vai fazer diferença?" Eu pensei.

- Pode deixar mãe.

Aquele era um típico dia cinzento. Além do céu nublado, uma densa névoa cobria a maior parte da nossa visão. Mas acho que o nevoeiro só estava na rua dos casarões. Tínhamos que andar uma boa parte do caminho pela estrada de terra até chegar na cidade. Tudo o que tinha a nossa volta era árvores e mato alto, e alguns trechos da estrada, tinha poças de água e lama.
Sem dúvidas, eu vou adorar viver nessa cidade...

Me perdi em meus pensamentos e quando olhei para os lados, Cauê não estava mais comigo. Tudo o que eu via, era o chão de terra abaixo de mim, e as árvores. Para frente e para trás da estrada, havia uma parede de névoa branca. Eu já não sabia mais para qual lado eu estava indo.

- Cauê?

Escolhi a esmo uma das direções da estrada e comecei a correr enquanto gritava o nome dele. A névoa começava a ficar mais densa, e minha visão diminuía cada vez mais ao passo em que minha respiração ficava mais pesada e lenta. Fiquei sem fôlego e o ar parecia não entrar nos meus pulmões. Comecei a ouvir grunhidos de corvos ao meu redor, folhas se mexendo e asas batendo. 
De repente, um clarão me cegou. Apertei forte meus olhos, e ouvi pneus de carro freando bruscamente. Quando abri os olhos, eu já estava no centro da cidade, no meio da rua e com um carro da polícia a apenas alguns centímetros do meu corpo. 

O policial que estava no banco do carona abriu a porta e saiu do carro preocupado.

- Ei, você está bem?

Ele era bem jovem, devia ter acabado de ingressar na força.

- Estou... - Respondi em meio a gaguejos. - Eu só perdi o meu irmão de vista. Então me desesperei e comecei a correr.

- Você veio pela rua dos casarões? - Perguntou o outro policial entrando na conversa enquanto saía da viatura. - É da família que acabou de se mudar?

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⏰ Última atualização: May 04, 2019 ⏰

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