Capítulo 1 - Abyssus abyssum invocat

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    Um abismo atrai o outro    


Era madrugada de quinta para sexta-feira, os pés cobertos pelas botas caminhavam apressados tentando não afundar na lama que estava sendo formada pela tempestade lavando a terra. Era outono, mas o inverno estava próximo e o frio não perdoava a pequena cidade Vincent Malloy, tampouco os seus habitantes.

Lauren dobrou a esquina que ligava a Van Dort com a Everglot, andou mais um pouco, agarrando o seu sobretudo e tentando mantê-lo no lugar, até parar em frente ao portão cinza e desgastado do único cemitério da cidade. Seus olhos foram obrigados a fechar um pouco, já que as fortes gotas de água impediam que ela tivesse a visão limpa.

A cada segundo que Lauren pensava sobre qual decisão tomar, a lama aumentava e suas botas ficavam mais difíceis de movimentar.

Ela precisava tomar uma decisão que não era dela. Não foi ela quem criou o projeto, ela também não era a cientista aprofundada no assunto. Michael Jauregui, pai de Lauren e único cientista de Vincent Malloy, era visto como o louco da cidade. Grande parte dos moradores não o encaravam com seriedade. Sempre achavam que suas experiências e projetos eram balela, isso até sua grande invenção ganhar a adoração de todos os moradores: o grampeador.

Por cada canto da Vincent Malloy só ouvia-se falar sobre "a máquina que juntava os papéis". Ao contrário do que você possa imaginar, não era um artigo de luxo. Michael Jauregui fez questão de que a engenhoca de pouco mais de 30cm pudesse ser de uso coletivo para os que não podiam ter a própria. Porém, havia algo nessa invenção que poucos ou quase ninguém sabia: Michael criou o grampeador, mas o grampo foi uma invenção ainda mais antiga, vinda de um outro continente.

Pouco importava. O cientista e inventor, finalmente, obteve o respeito e admiração que queria e, alguns achavam, merecia.

Sua filha, Lauren, nunca foi como as outras crianças e a parcela dessa culpa era do pai. Michael Jauregui decidiu que a filha só precisava aprender aquilo que ele saberia ensinar impecavelmente: Ciência.

Durante anos Lauren aprendeu com o pai bem mais do que aprendeu na escola. Frequentava o local apenas porque Michael achava necessário que ela tivesse contato com outras crianças, mas nunca a reclamou pelas notas baixas em grande parte das matérias, exceto Ciências. Ele fazia questão que sua filha aprendesse o básico, somente para que ensinasse a ela o que as escolas jamais ensinariam. Para ele, as escolas tinham medo de mostrar a real ciência para as crianças. Ainda mais escola para meninas, como a que Lauren frequentou. Ele se incumbiu da volta à luz, fuga da cegueira intelectual, e fez o que as escolas jamais fariam.

— Hoje ensinaram algo novo para você? — perguntava, esperando alguma resposta ruim para cativar a filha com alguma proposta melhor.

— Bordado, papai. Eu não consegui fazer como queriam e fiquei na frente da classe como exemplo a não ser seguido — respondeu. Os ombros baixos da garota denunciavam a frustração por ter virado motivo de risos dos colegas.

— Troque-se e venha me encontrar no laboratório. Tenho algo para lhe mostrar.

Era normal Lauren chegar em casa cabisbaixa por ter sido repreendida ao não saber bordar, não conseguir formar uma nota no piano ou gaguejar na aula de ditado. Mas sentia-se muito melhor quando o pai, cientista e inventor, a levava para o laboratório no porão e a ensinava misturas de substâncias e outras coisas. Apesar de ser um exímio inventor, Lauren se dedicada integralmente à parte científica. Criar máquinas não a chamava a atenção apesar de admirar muito.

Seria Eu Se Não Fosse VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora