De vez em quando tenho lapsos de mémoria que posso jurar serem reais, uma menina morena e de olhos verdes, chamando uma mulher muito bonita e um homem forte, também moreno e de olhos verdes, muito parecido com a criança. Quando a menina vira e seus cabelos cacheados voam da frente de seu rosto eu descubro que a menina sou eu, apesar de a criança não aparentar ter mais de um ano e meio eu sei que sou eu, seu rosto é inconfundível, sei disso porque o vejo no espelho todos os dias.
Passos no corredor me fazem despertar e voltar para meu mundo, quando abro os olhos lembro à onde eu realmente pertenço. Aquele quadro de moldura dourada lindamente trabalhada e com uma foto minha quando menor sempre traz a tona esses lapsos.
Apesar de ser incomum aqui em Iléa, vejo que gotas começam a cair e uma grande chuva se aproxima, corro até a sacada. Além de mim, aqui no castelo mamãe é a única que gosta da chuva, seus olhos brilham quando pergunto o porque, ela apenas ri e diz que traz boas lembranças.Gostaria de dizer que sou parecida com ela, mas isso é impossível, ela é ruiva e tem olhos azuis. Também queria dizer que ou parecida com papai, mas novamente não me encaixo, ele é loiro de olhos castanhos. Sempre me aflige quando as pessoas dizem que não tenho nenhuma semelhança com meus pais, principamente porque com meus irmãos a história é diferente, Amber e Clary tem os cabelos ruivos e os olhos casanhos, já Stephan tem cabelos loiros e olhos azuis. Amber, Clary e Stephan são a mistura perfeita de meus pais, ambos são maravilhosamente lindos e de um sorriso e personalidade contagiantes.
Não escuto a porta do quarto abrir, mas de repente vejo meu pai atrás de mim.
-Sempre admirando a chuva...não entendo, ela molha tudo, manda o sol embora, as vezes derruba lares e arruina a vida de algumas pessoas.- ele disse olhando para além dos muros do palácio.
-Eu acho que gosto porque me sinto como ela, as pessoas agem de forma indiferente na presença dela.-Eu o encaro e vejo novamente aquela mesma expressão desapontada e triste em seu rosto, a mesma de todas as vezes que toco nesse assunto, mas ultimamente algo mais vem o sufocando, mas assim como eu ele não se abre facilmente.
-Sophie, quantas vezes eu terei de repetir que não importa o que digam ou não sobre sua semelhança física comigo ou com sua mãe, você pode ter a certeza de que seu espaço em nossos corações é o mesmo que o de seus irmãos, e te amamos do jeito que você é, você não precisa das nossas características, você é única e é isso que te faz especial.-Ele me abraçou tão forte, podia sentir que me amava, e que estaria ao meu lado para sempre.
Meu pai era a pessoa que mais me entendia e estava sempre disposto a escutar tudo o que eu tivesse a dizer. Nossa dificuldade de expressar os sentimentos, falar sobre isso abertamente, era a mesma. A prova é quando mamãe conta que demorou até que ele finalmente falasse "eu te amo".
Ele disse que eu deveria me aprontar pois estava quase na hora do jantar, e tínhamos visitas no palácio, a família real alemã.
Fui até o banheiro e Grace estava lá com meu banho já pronto. É incrível como um pouco de água derruba tão grande peso de sobre seus ombros. Grace é minha criada mais próxima, como uma dama de companhia ela sabe tudo sobre mim, ela tem mais ou menos minha idade e isto nos torna ainda mais confidentes uma da outra. Fui até meu closet e pendurado em um cabide estava um vestido maravilhoso, era rosa escuro de renda até os joelhos e cintura marcada, deixavam minhas costas à mostra e tinha decote mas não chegava a ser vulgar. Grace me ajudou a colocar o vestido e depois colocou meus cabelos em cachos de um só lado e fez uma leve maquiagem.
Quando terminei e virei para o espelho mal podia acreditar que aquela era mesmo eu, gostava de como meu cabelo escuro contrastava com meus olhos claros, e aquele vestido rosa tinha um caimento perfeito.
Apesar de Grace estar sempre falando, não havia notado seu silêncio durante todo esse tempo, talvez porque eu não me incomode com ele. Ela me olhou, posicionou suas mãos em meu rosto e levantou minha cabeça suavemente, então disse:
-Sophie, sem querer escutei a coversa com seu pai, e não creio que você reclame de não ser parecida com eles sendo tão linda quanto. Não deixe que os comentários separem você da sua família, e você sabe o quanto deixa seu pai triste quando toca nesse assunto.- Meu coração ficava despedaçado quando deixava meu pai daquele jeito, e toda vez prometia a mim mesma jamais cometer o mesmo erro novamente, mas aquele assunto já se tornara algo inevitável em minha vida.-Pronto, esqueça isso, levante a cabeça e sorria porque tem um alemão lindo te esperando para o jantar.
Nós duas rimos e eu abri a porta e andei em direção ao salão principal. Petrus e Antonina Heinz tinham dois filhos, Albert era o mais velho, tinha dezessete anos, um ano a mais que eu e Tom era da idade de Stephan, dez anos. Nunca os vi antes, sei sobre eles apenas de histórias que meu pai conta de suas visitas à família real alemã. E nessas histórias geralmente ele contava que Albert, apesar de ser alemão, era calmo e sensato, muito maduro para a idade. Já Tom era o travesso e ficava irritado com mais facilidade.
Cheguei ao salão e todos estavam conversando, e como era novidade para mim, logo notei um jovem de cabelos loiros e olhos azuis que estava rindo e decidiu virar a cabeça junto com um sorriso fascinante, seu olhar congelou em mim e eu estava ocupada demais olhando em seus olhos para perceber que todos me observavam.
Baixei a cabeça e andei em direção à todos aqueles olhos, infelizmente não tinha como evitar, deveria ser simpática e receptiva.
Meu pai abriu espaço ao me ver e me apresentou a todos.
-Petrus e Antonina, esta é Sophie, nossa filha mais velha.
Os dois sorriram e me cumprimentaram.
Meu pai me conduziu até Albert, e disse:
-Sophie, este é Albert, vocês tem quase a mesma idade, tenho certeza de que vão se dar muito bem.
Albert olhou em meus olhos e beijou minha mão. Ele parecia tímido, mas estava sempre sorrindo, inclusive agora. Retribui o sorriso, mas o meu não deveria ser nada comparado ao dele, ele era lindo demais para ser real. Fiquei sem saber o que fazer, estava em frente a ele e nós dois nos encarávamos. Graças a Amber e Clary, consgui uma chance de quebrar o silêncio e depois escapar:
-Albert, essas são Amber e Clary, minhas irmãs mais novas.-Ele beijou a mão das duas, enquanto isso sai de fininho e fui até onde minha mãe estava, dando orientações a uma criada. Eu era tímida demais para puxar assunto com um garoto.
Ela dispensou a criada e me olhou com admiração.
-Sophie, você está tão linda minha menina.- Seus olhos azuis brilhavam, minha mãe era realmente muito linda e também nova demais. Ela conta sempre que casar na sua idade foi fácil, o dificil foi assumir o trono mas que papai fez tudo ficar mais simples.
-Obrigada mãe.-Sorri e ela deu um beijo em meu rosto e disse para que e tomasse meu assento.
