A Moça de Amarelo

137 4 16
                                    

- Giuseppe, está na hora de ir pra casa, cara! - meu patrão disse da porta.

Mais um dia voltando para casa de trem sem esperar ninguém. Eu não aguentava mais o trabalho vazio, a casa vazia. Minha cabeça pesava uma tonelada graças a tela do computador.

Quando se é sozinho, tudo parece estranho. Tinha mais crises de existência que podia contar, meu coração passava mais tempo apertado do que era normal. Será que estava no trabalho certo? Era administrador de uma pequena empresa familiar. Apenas meu cachorro era realmente meu. Ao me lembrar de Pingo sorri, era bom ter ele como companhia.

O trem estava lotado esta noite, crianças choravam, mulheres conversavam, homens mexiam no celular e eu contava os suspiros que a moça dava ao meu lado. Era linda, com sua pele negra e cabelo afro. Vestia amarelo e a cor ficava muito bem nela.

Estava a ponto de perguntar se algo tinha acontecido quando ela se levantou para sair do seu lugar, antes de passar pela porta se virou para mim e sorriu, como um bobo acenei. E então fiquei sozinho de novo com apenas meus pensamentos.

Não lembrava se tinha dado comida ou não para Pingo hoje cedo. Daria quando chegasse. Eram duas horas de trem até minha casa, fora o tempo da caminhada, eu sabia praticamente quantos passos tinha que dar desde a porta da estação até lá.

Uma senhora sentou ao meu lado e encostou em mim para dormir, ela fazia isso todos os dias, já estava acostumado a chegar em casa com um pouco de baba em todos os lugares. Eu devia ser de alguma maneira muito confortável para dormir.

A criança da frente estava tentando roubar a atenção da mãe que estava toda focada no celular. Quando parei em frente de casa, abri a porta e Pingo correu em minha direção, fiz carinho em sua cabeça e liguei a TV. Enquanto colocava sua comida e esquentava a minha, ouvia o noticiário. Roubos, mortes, a situação econômica do país, estava cansado de tudo isso, queria viajar. Imaginava como era a Grécia nesta época do ano, o mar azul, os lindos lugares, seria bom mudar um pouco de ares.

- Morte no trem, na noite de hoje, uma mulher foi assassinada a queima roupa. Relatos dizem que a mulher estava voltando para casa quando o ex-namorado deu três tiros em seu peito.

A voz da repórter invadiu meus pensamentos, fiquei assustado, o trem que pegava era o único que conhecia na região. Ao olhar para a TV, meu coração parou, era a mulher que estava ao meu lado mais cedo. Na foto ela estava diferente, mais nova, o rosto menos cansado.

Me sentei no sofá, parecia que eu tinha levado um baque.

- O caso será investigado pela polícia federal.

Senti fraqueza ao olhar o rosto da mulher, se ao menos tivesse falado com ela, talvez ainda estivesse viva. Pingo se deitou ao meu lado sentindo que precisava de um pouco de atenção.

Me senti de mãos atadas, aquela linda mulher era só mais uma estatística agora e não ia mais colorir o mundo. Fiz carinho em Pingo e descansei a cabeça no sofá, estava cansado do mundo.

- Esse é um lugar muito cruel, Pingo.

O volume da TV de repente parecia demais para mim, mas o silêncio também me matava, tudo que eu conseguia pensar era naquela mulher.

Minha fé havia morrido mais um pouco.

Contos; Uma coletâneaOnde histórias criam vida. Descubra agora