Capítulo 3 - Tons de roxo e vermelho

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Despertado algumas horas depois pelas garrinhas de sua gata, dita cuja estava sobre as suas costas sobre as quatro patas se segurando firmemente com suas garras para evitar a queda. A sensação de anzóis de pesca encravados em sua carne começou a se tornar mais intensa até que levantou-se bruscamente assustando seu animal de estimação.

— Perdão, Morgana, mas você estava quase arrancando tiras de carne do meu corpo com esses seus fatiadores embutidos.

Pôs-se de pé com o corpo mole por ter acordado horas depois de um longo cochilo, olhou ao redor pelo seu quarto tentando achar sinais de alguma visita de sua mãe ou irmã, mas foi mal sucedido por tudo estar em ordem desde que entrou as pressas. Seus pequenos olhos voltaram-se para a janela e viram que já não estava mais tão claro, mas a chuva havia parado e algumas estrelas pontuavam o céu que estava aos poucos ficando mais enegrecido. Ele realmente dormira mais do que o esperado e ninguém foi pertutba-lo durante o seu pranto. Tirou o seu moletom que estava parcialmente úmido e o jogou na cadeira de frente para sua escrivaninha, tirou suas meias e calçou suas pantufas azuladas para sair do quarto e não tomar Esporro de sua mãe que provavelmente estaria tomando café na cozinha. Saiu do quarto já completamente atento ao mundo a sua volta, suspirou profundamente piscando múltiplas vezes para lubrificar seus olhos vermelhos e seguiu temendo o que iria encontrar.

Já no andar de baixo, sendo seguido pelo olhar curioso de sua irmã Sinthea, Blue apenas seguiu até o cômodo que mais temia naquele momento: A cozinha. No momento em que entrou, um olhar duro o recepcionou. Uma ruiva de longos cabelos presos em um coque alto estava sentada com uma xícara lilás em suas mãos e um prato com dois bolinhos de baunilha a sua frente.

— Você demorou para chegar, sabia? Não tem problema, a chuva estava forte demais e isso não é sua culpa. — A voz da mulher soava mansa, lenta e bastante aérea. — Você, também, chegou acompanhado de um rapaz, certo? Bem, eu presumo que seja homem pelo carro e... Pelo sorriso presunçoso que eu vi ele dando assim que colocou aquele rosto redondo para fora do carro para acompanhar o seu caminho. Menininho com um ar arrogante.

Holly apenas ficou quieto ouvindo tudo que sua mãe falava. O garoto estava servindo café sentindo os nervos tomarem conta de si a medida que cada palavra saía da boca de sua mãe. Podiam parecer simples as palavras dela, ou até mesmo apenas preocupação de mãe, mas havia um duplo sentido que Holly conseguia captar e já estava acostumado: Ela está o manipulando para defende-lo de seu veneno e acabar ouvindo aquilo que queria. O jovem não se deixaria levar pela língua afiada de sua mãe.

— Talvez tenha toda a razão e eu deva passar a evitar esse tipo de pessoa tóxica que circula como moscas ao redor da merda, não acha, mamãe? — Sua voz soou levemente desafiadora, e Nathalie pode sentir aquele tom porque abaixou sua xícara, suavizou sua expressão e apenas sorriu simplesmente.

— Vejo que é um jovem consciente dos perigos que te rondam. Aceita um bolinho? Acabei de tira-los do forno e ainda estão quentinhos. — Um sorriso forçado tomou conta dos lábios da mais velha, que ainda estava curiosa sobre o garoto que trouxe seu filho.

Ele sabia que ela não desistiria assim tão fácil, mas resolveu aproveitar o momento de trégua que pairava pelo ambiente e se tranquilizou, mas não iria baixar a guarda tão facilmente. Pegou um dos bolinhos sobre o prato e o comeu mantendo seus olhos sobre a mulher a sua frente. Ela sabia ser astuta, mas evitava deixar isso evidente para dar o ar de derrotada.

— Você não acha que dormiu demais? Subiu para o seu quarto e não desceu mais, ficou quieto a tarde inteira sem dar sinais de vida. Aconteceu algo? A chuva com certeza foi avassaladora. — Em uma última tentativa de arrancar-lhe qualquer informação que fosse, Nathalie, sua mãe, optou por tentar o usar o tempo como pretexto para obter informações que valessem algo, mas não conseguiu.

— Foi um dia cheio hoje, as aulas foram estressantes e eu ficaria feliz se você parasse de tocar nesse maldito assunto. — A voz de Holly agora estava alterada, agressiva e nitidamente grave. Sua mãe sobressaltou-se com a reação do jovem e abaixou a cabeça arrependida pelo que disse e por ter irritado Blue.

— Desculpe, filho, mas eu só queria saber como você estava e também... Eu fiquei curiosa para saber quem era. Você acha que eu não devo me preocupar? Acha que eu não tenho um motivo para cuidar cada passo seu? O meu filho é gay!, e isso é motivo suficiente para eu me preocupar com a possibilidade de a cada dia um homem diferente entrar na minha casa pra fuder o maldito rabo do meu filho! Você acha que isso não é motivo o suficiente!? Ser mãe de uma... De uma coisa como você!? Acha que eu não sinto na pele a vergonha que é andar na rua e ser apontada como a mãe do monstrinho promíscuo!? Eu tentei a todo custo aceitar você e essa sua opção, mas eu não consigo! Eu ainda te amo, mas eu não consigo mais te amar como um filho, não como antes disso tudo. — A voz da ruiva estava embargada pelo choro, sua boca trêmula e seus olhos cheios de água. Seu corpo tremia de raiva e suas veias estavam nitidamente saltedas em seus cabelos punhos fechados e em sua face enrijecida.

— Acha que eu pedi para nascer assim!? Acha que eu gosto de ser assim!? Todos me olham torto! Todos mantém distância de mim! As pessoas sentem nojo onde quer que eu vá! Eles nem olham direito na minha cara! Acha que só você tem problemas? Você não tem nem ideia pela porra de de pessoas que eu tenho que engolir e aturar calado porque elas podem não gostar e fazer coisa pior! Se a sua vida é injusta, acho que você deveria parar e se por no lugar daqueles que tanto julga.

Holly a olhou horrorizado, pasmo e prestes a desabar em lágrimas diante de Miranda, mas se manteve firme e simplesmente saiu do recinto ainda em choque pelo que ouviu da boca de sua própria mãe. Depois que se deu conta do que disse, saiu horrorizado da cozinha e voltou ao seu quarto em passos firmes retendo as lágrimas.

— Holly? O que houve? Que gritaria foi aquela na cozinha? Holly, eu estou falando com você! — Sua irmã perguntava insistentemente, mas era ignorada como se não tivesse dito nada significativo.

Chegando em seu quarto, ele se jogou na cama começando a "golpear" furiosamente o colchão com os punhos e pés enquanto gritava contra o travesseiro. Estava irritado, possesso e, resumidamente, puto. Puto com a sua mãe, com Marcell, com a sua vida, com tudo! Ele queria gritar, mas acabou por se conter e despejar a sua raiva contra a cama com socos e chutes violentos. Aquilo talvez não o satisfizesse, então levantou de cama em um pulo bem desajeitado decidido a descontar sua raiva em outra coisa: A parede. Fechou seu punho, ergueu-o no ar e, com toda a sua força, socou a parede de seu quarto. Continuou assim com as duas mãos, socando com força, sentindo que sua pele rasgaria ou que sua mão arrebentaria com tamanha força ou com os movimentos repetitivos. Estava em um turbilhão de raiva, tristeza e ódio tão profundo, que pouco ligava para a dor que sentia.

Seus punhos sangravam e estavam com manchas roxas, sua mão latejava de dor, a parede se encontrava com marcas vermelhas e riscos que desciam até o chão. Ao seu ver poderia ser uma bela decoração se não tivesse sido feita com seu sangue. Seus olhos estavam vermelhos por conta das lágrimas que segurou mais cedo e depois decidiu deixa-las escorrer. Durante seu acesso de raiva, sua mãe tinha ido as pressas em seu quarto, arrependida das coisas que disse e afim de pedir perdão, mas espantou-se ao ouvir o som grave dos socos contra a parede. Horrizada, afastou-se do quarto aos poucos e em silêncio para não ser notada. Agora, decidiu voltar e notou o silêncio que pairava pelo corredor. Ele parou.

— Holly...? — Miranda adentrou o quarto de seu filho e o encontrou ajoelhado no chão com os punhos vermelhos e uma mancha na parede. — Holly! O que você fez!? Por que fez isso!? — Miranda ajoelhou-se junto ao seu filho, pegou em suas mãos com cuidado devido a sensibilidade que certamente ele estava sentindo. A ruiva analisou a situação e viu o quão sério aquilo era, e percebeu o erro que cometeu ao dizer aquelas coisas cruéis para o seu filho. — Me perdoe, filho, por favor, me perdoe. — Ela o abraçou fortemente e se pos a chorar junto ao menor enquanto abraçavam-se no chão do quarto.

Holly não conseguia dizer nada, talvez nem quisesse, então apenas ficou em silêncio desfrutando daquele raro momento de afeto com sua mãe.

Nuvens de Algodão-Doce Cor-de-RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora