Capítulo 2

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Algum tempo antes de tudo desabar...

Ela deveria estar dormindo. Tinha sido um dia cansativo, exaustante. Parecia que nunca teria um fim. Mas o sol se pôs e o relógio indicava que já estava na hora dela ir embora. Apesar de odiar seu trabalho, odiava ainda mais a sensação que sentia ao pisar os pés naquela casa. Nem a fila de clientes aborrecidos ou o gerente gritando com os funcionários assustava-a tanto quantos aquelas paredes brancas e aquele carpete manchado.

Mas tinha respirado fundo e enfrentando todos seus medos. Entrou fazendo o mínimo de barulho possível e subindo logo para o quarto. Após um banho demorado, seu estômago tinha roncado em protesto as horas negligenciadas, ela não tinha comido quase nada o dia inteiro. Comeu uma barra de cereal que colocará mais cedo na mochila e que não tinha gosto nenhum e se preparou para dormir. Achou que o sono viria rápido pela forma como estava cansada mas se enganou. Estava a quase duas horas encarando o teto do quarto, com os pensamentos a mil.

Desistiu de ficar imaginando o que eram aquelas manchas que pareciam estar ali desde que se mudará para aquela casa, ligou o abajur e pegou seu livro de história. Tentou estudar para a prova que teria pela manhã mas as palavras pareciam correr pela folha. Massageou o ombro que tinha machucado ao ajudar uma senhorinha com as compras a dois dias trás mas que ainda doía como no dia que tinha acontecido. Sua mente não conseguia focar no livro que tinha a frente, seus pensamentos corriam solto. Iam para a reunião que tivera com o orientador da escola, para a expressão que ele tinha feito quando viu suas notas, depois para o carro, que começara a apresentar problemas no motor. Nenhum tinha a sua atenção tempo o suficiente para distraí-la daquela sensação na boca do estômago.

O que mais incomodava-a naquela casa era o silêncio. No começo da primavera, todos os cômodos eram preenchidos pela música de um novo cantor indie que sua mãe descobrira recentemente. Havia o som dos passos e de portas batendo, de coisas sendo colocadas e tiradas do lugar, e o som suave dos sinos ventos balançando ao vento na varanda. Luna, uma vira-lata de pelos marrons e estatura pequena, latia ocasionalmente para a janela, e onde a mãe dela ia, Luna ia atrás. Ainda conseguia ouvir o barulho das patinhas contra o assoalho da casa. A lembrança a fez sorrir. E também fez seu peito ficar mais apertado.

Não deveria ter feito isso. Deixar que seus pensamentos voltassem para aquela época. Era sempre doloroso, não importasse quanto tempo tinha passado. Não importasse o quanto ela já tinha sofrido. Jogou o livro longe e fechou os olhos, tentando ouvir algo, qualquer coisa. Algo que indicasse que ela não estava tão sozinha assim. Mas só o silêncio chegou até ela. Sentia como ele penetrava na casa e preenchia todos os cômodos, subia as escadas lentamente e batia na porta do seu quarto. Sentiu as lágrimas descerem e o mordeu o travesseiro para não gritar. Por fim, quando uma fina chuva começou a cair, e a exaustão finalmente tomou conta dela, ela dormiu.

Acordou com o despertador tocando insistentemente uma música country que ela não sabia de quem era, mas que passará a odiar. Olhou para aquele pedaço de plástico quadrado e ficou imaginando o que aconteceria se ela o ignorasse e ficasse na cama o dia todo. Será que alguém daria por falta dela? Alguém viria procurá-la? Sabia que a resposta era não. Por isso jogou as cobertas para o lado e se levantou. Tomou um banho rápido e vestiu uma calça jeans surrada e um suéter bege. Pegou a mochila que ficava mais pesada a cada dia e saiu de casa aliviada, nem se preocupou em tomar café. Chovera a noite toda e as ruas ainda estavam molhadas, e um vento forte bagunçava os cabelos que ela também não se preocupará em arrumar, tinha feito apenas um rabo de cavalo frouxo e decidira que aquilo estava bom o suficiente.

Graças ao desvio que pegava pela floresta conseguiu chegar na escola em menos de vinte minutos. Se dirigiu para a sala da sua primeira aula no automático e deu graças aos céus por ninguém ter pegado seu lugar preferido. O dia passou como um borrão. Ela mal ouviu o que os professores falavam e não teve sorte com a prova de história- Provavelmente o orientador marcaria outra reunião com ela- O seu almoço foi uma maçã que comeu sentada no estacionamento enquanto observava um casal brigar e depois se reconciliar aos beijos- eles nem notaram a presença dela - Quando o último sinal bateu ela juntou rapidamente suas coisas e foi a primeira sair da sala. O pequeno supermercado onde trabalha ficava próximo a escola e ela levou pouco tempo para chegar lá. O gerente já a esperava-a com a cara fechada e entregou uma lista de coisas que precisavam ser verificadas até o final do seu turno. Ela suspirou e colocou seu uniforme, uma blusa de poliéster em tom fraco de azul e começou pelas coisas mais fácies da lista. Teve que parar pois uma velhinha derrubou um vidro de tomate na secção 2 e ela teve dificuldades para desgrudar aquilo do piso. Enquanto esfregava com ódio sentiu um que alguém se aproximava.

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