1º Capítulo

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- Theresa! - ouvi a minha mãe chamar do andar debaixo. Decerto que seria para me levantar e ir almoçar.

Tenho umas certas saudades de quando ela abria a porta cuidadosamente e se sentava à beira da minha cama enquanto me sussurrava "Tess, anda, o almoço está pronto", mesmo sabendo que eu já estava acordada há horas e apenas tinha preguiça para me levantar. Agora, com os meus 18 anos, eu não me levantava por ter preguiça, mas sim por não estar preparada para enfrentar o mundo mais um dia. Para apenas continuar a existir e tentar fazer tudo certo para não desiludir ninguém, o que agora me parece bastante inútil. Acabam sempre por ir todos embora. Serão eles o problema, ou serei eu? Terei eu apenas uma admiração por pessoas que não valem a pena, ou serei eu quem não vale a pena? 

- Theresa, não volto a chamar! Vais comer tudo frio - a minha mãe voltou a berrar.

Rolei os meus olhos, enquanto respirava fundo. Destapei-me e sentei-me na cama a ganhar coragem para me levantar de vez. Abri os meus estores e fui olhar-me ao espelho, como fazia sempre. Os meus olhos estavam borrados e as minhas olheiras acentuadas. Voltei a esquecer-me de tirar a maquilhagem antes de me deitar, típico. Apanhei o meu cabelo no cimo e saí do quarto,  caminhando em direção à cozinha.

- Então, já acordaste? - perguntou-me o meu pai, como sempre. Eu odiava aquela pergunta e, há uns anos atrás, talvez lhe respondesse "não, o que estás a ver é um holograma e eu ainda estou a dormir", mas hoje limito-me a encolher os ombros.

Eu podia continuar a descrever-vos o meu almoço, mas eu estou farta dos meus almoços de fim-de-semana. Estou farta que seja tudo uma grande rotina aborrecida. Que nada mude, ou pelo menos que nada mude para melhor.

No entanto, não é da grande rotina que se tornou a minha vida que eu estou realmente farta, mas sim da pessoa em que me tornei, da pessoa que sou hoje. Eu posso ter desiludido todos os que me conheceram, mas não há ninguém a quem eu tenha desiludido tanto, ou mais, como eu me desiludi a mim mesma. Talvez por saber que a culpa é minha, por saber que fui eu quem deixou que me destruíssem vezes e vezes sem conta. Se sou insegura hoje, é porque eu deixei que isso acontecesse.

Às vezes penso se aqueles que não deixam ninguém aproximar-se deles não serão mais felizes, já que não dão oportunidade a ninguém de os magoar. Porém, essas pessoas não conhecem a felicidade de ter um amigo, de ajudar alguém e de ser ajudado. Por isso, quem estará melhor? O solitário a quem ninguém consegue magoar, ou o rodeado de amigos que tem grande facilidade em ser magoado? Acho que nunca terei a resposta a essa minha pergunta.

Dei por mim sentada na ponta da minha cama, ainda de toalha à volta do corpo. Voltei a perder a noção do tempo enquanto falava comigo própria. Eu faço isso demasiadas vezes, acabando assim por perder imenso tempo dos meus dias em que podia estar a fazer algo realmente útil e produtivo. 

Levantei-me e vesti basicamente a primeira coisa que me apareceu à frente. Umas calças justas pretas, uma t-shirt larga branca e os uns ténis quaisquer que eu tinha enfiado dentro do armário. Coloquei o meu creme preferido com extratos de pepino da AVON na cara, o meu corretor de olheiras, rímel para aumentar o tamanho das pestanas e mais uns quantos produtos de maquilhagem que eu considerava necessários para o meu dia-à-dia. Penteei o cabelo com as mãos, agarrei na minha mala e óculos de sol e saí do quarto. 

- Onde vais? - perguntou-me a minha mãe assim que me ouviu a descer as escadas. 

- Sair.

- Não voltes tarde. 

- Sim, até logo, mãe - respondi-lhe a tentar ser o mais simpática possível (soava mais simpático na minha cabeça).

Abri a porta de casa e fui direta ao carro, um cliché Mini Cooper cinza que me fora oferecido no meu último aniversário. Os meus pais sabiam que era aquele que eu queria, ou então um Fiat 500 creme, e que assim que tivesse tirado a carta, eu iria logo querer pegar no carro da família. Julgo que eles tivessem um pouco de receio que eu fosse logo conduzir um carro considerado bom, por isso, decidiram comprar um Mini Cooper já usado. Devo admitir que eu faria o mesmo.

Era domingo, provavelmente o dia da semana que eu mais desprezava, logo depois da segunda-feira. E, por isso mesmo, eu teria de me esforçar mais que o habitual para não ser um dia ainda pior do que aquilo que ele já era por natureza. 

Dirigi até ao café mais próximo de minha casa, era um daqueles cafés onde se podia passar horas. Acolhedor e extremamente confortável, especialmente nos dias de chuva tão frequentes em Inglaterra. Sentei-me na mesa do canto junto à janela, como habitual e esperei que me viessem atender. Uma das coisas que também me atraía bastante para este café era o facto de servirem à mesa, para não falar do maravilhoso café que faziam. Que posso dizer? Sou uma preguiçosa apaixonada por café.

- Um café cheio? - perguntou-me a empregada de mesa já tão acostumada aos meus pedidos, com um sorriso acolhedor.

- Por favor - sorri-lhe de volta.

Quando a empregada de mesa voltou com o meu café, já eu estava mergulhada num livro que tinha atirado para a mala no dia anterior. Acabei por ficar a tarde inteira no café a ler, sem sequer me aperceber de que o tempo continuava a passar. Na minha cabeça, se eu estou um pouco distraída, então o tempo também se distrai. Ridícula esta minha ideia de que até o tempo iria parar por minha causa. 

- Foste  ver alguma universidade? - perguntou-me a minha mãe, ainda sem eu ter posto um único pé dentro de casa.

- Boa noite e não, não fui - respondi meia amarga. Porque não paravam com as perguntas sobre a universidade?

- Theresa, tens de decidir o que queres para a tua vida, ou vais ficar a viver na casa dos teus pais até morrermos?

- Não te preocupes, mãe. Antes que se apercebam, já eu me fui embora há algum tempo.

Revirei os olhos e subi as escadas a correr para o meu quarto. Fechei a porta atrás de mim e atirei-me para a cama, enterrando a cara no grande conjunto de almofadas que enfeitavam a cabeceira. A minha mãe fazia questão de as pôr lá depois de puxar os lençóis para cima. Nunca percebi bem porquê, eu cá prefiro deixar a cama desfeita e as almofadas espalhadas pelo chão.

O meu jantar foi desnecessário. Pergunto-me porque é que ainda nos damos ao trabalho de nos sentarmos à mesa e partilhar uma refeição. Nunca ninguém come o prato inteiro e o ambiente é tão frio e tenso que faz apetecer fugir e nunca mais voltar. Felizmente e para minha surpresa, nem o meu pai, nem a minha mãe me fizeram perguntas acerca da universidade e do meu futuro. Creio que se fartaram de vez de ouvir um "não sei" como resposta a todas as vezes que me perguntavam algo sobre o assunto. Mas de uma coisa eu tenho a certeza, ninguém estava mais cansado daquela conversa que eu.

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