2º Capítulo

29 2 1
                                    

Continuava a passar à frente quase todas as músicas do meu leitor de música. Não conseguia ouvi-las inteiras (algumas nem mesmo o primeiro segundo), todas me faziam lembrar de algo ou alguém. Odeio que todos acabem por estragar, para além de a mim própria, as minhas músicas preferidas. "Desisto", disse baixo, bufando em seguida enquanto atirava o leitor de música ainda com os phones ligados para o fundo da cama. Rodei o meu corpo deitado, permitindo-me observar o relógio. Marcava 1h30 da manhã e eu continuava sem sono. Eu sabia que se não adormecesse em pouco tempo não me iria conseguir levantar relativamente cedo na manhã seguinte e, se havia coisa que eu detestava, era começar a rotina de adormecer tarde e acordar tarde.

Peguei uma última vez no telemóvel para me certificar de que não tinha nenhuma mensagem por responder - ainda que no fundo soubesse que não tinha - e fechei os meus olhos. Só acordei na manhã seguinte, o que não era muito habitual, visto que o meu sono insistia em ser uma merda e em fazer com que eu acordasse mais que uma vez durante a noite. 

Abri os meus olhos com dificuldade, um de cada vez. Peguei no telemóvel e vi as horas. Para meu espanto, eram ainda 10 horas da manhã. De modo geral, eu nunca acordo com tanta energia antes da hora do almoço, por volta das 13h30. 

Levantei-me de salto e corri em direção à casa-de-banho. Algo tinha mudado durante a noite. Algo me tinha mudado. Era como se alguém me tivesse roubado um pedaço da tristeza a que já estava tão habituada. Eu sentia-me pronta. Para quê? Eu ainda não tinha a certeza, mas eu sabia que estava pronta para mudar tudo. Eu estava pronta para sair de dentro das quatro paredes negras em que me tinha prendido, impossibilitando a aproximação de alguém. Talvez estivesse pronta até para recomeçar tudo. Ir-me embora e fazer outra vida longe da vila, onde tudo é igual há anos. Onde os filhos ficam com os antigos empregos dos pais e já têm a vida feita e planeada desde o momento em que nascem. Nunca gostei disso. Eu gostava de fazer as minhas próprias escolhas, embora não fossem as melhores nem para mim, nem para ninguém. Pensar que alguém tinha o poder de escolher a minha vida repugnava-me. Como é que os outros conseguiam viver assim? 

Olhei-me ao espelho, enquanto as minhas mãos agarravam a bancada, segurando parte do meu corpo para que eu não caísse durante o meu transe. Abri a água e atirei-a para a minha cara com as duas mãos em concha. Lavei os meus dentes e despi-me, enquanto a água corria ainda fria no chuveiro. Encaminhei-me até à banheira e tomei o meu duche em menos de 10 minutos.

Voltei rapidamente para o meu quarto, onde apliquei todos os meus cremes, tanto para a cara, como para o corpo. Abri o meu armário e retirei as minhas calças pretas de cintura subida, um crop top branco e a minha camisa vermelha aos quadrados, que apertei à volta da cintura. Calcei os meus creepers e apliquei o meu corretor de olheiras, para tentar esconder um pouco do cansaço dos meus olhos e as olheiras fundas tão características minhas. Agarrei ainda no meu rímel, deixando as minhas pestanas pelo menos 2 vezes mais longas do que aquilo que elas são na realidade. Atirei a toalha, que outrora enrolava o meu cabelo, para um dos cantos da cama e penteei o meu cabelo com os dedos.

Peguei na minha mala, já com tudo o que precisava, e desci as escadas apressadamente. Não podia perder mais tempo. Era agora, ou nunca. Eu sabia que se não fizesse algo por mim naquele momento, então não saberia quando iria voltar a ter a mínima coragem para o fazer.

- Vais sair? - perguntou-me o meu pai, fazendo-me travar nos meus próprios pés com o susto.

- Vou - respondi rápido.

- Sem comer?

- Eu não demoro - disse e saí de casa, não dando a possibilidade dos meus ouvidos ouvirem outra pergunta por parte de meu pai.

Liguei o carro e conduzi até ao centro comercial mais próximo. Para minha sorte e visto que era segunda-feira, consegui estacionar antes de dar uma volta inteira ao parque de estacionamento. Caminhei a passos largos pelo centro comercial até encontrar alguma loja que vendesse malas de viagem. Eu não tinha a certeza daquilo que estava a fazer, honestamente. Nem muito menos sabia se mais tarde me viria a arrepender de comprar fosse o que fosse, mas decidi empurrar-me para dentro da loja de qualquer das maneiras.

Not About AngelsOnde histórias criam vida. Descubra agora