Não havia vida, tudo o que os olhos do guerreiro desertor avistavam eram pedras, poeira e a areia que insistia em entrar nos seus olhos toda vez que o vento assoviava maldosamente, quando isso ocorria a única coisa que ele podia fazer era se encolher em suas vestes que um dia já foram brancas, e puxar ainda mais o capuz acima da cabeça. Todos os dias sua rotina erra a mesma: acordar, sobreviver e tentar acordar no outro dia, era assim que ele levava seus dias, um após o outro.
Sion havia andado por todo o período que ele achava ser manhã, embora não tivesse certeza já que era difícil dizer, seu corpo inteiro doía então ele resolveu fazer uma pausa. Subiu a colina sem vida próxima onde pode olhar por toda a vastidão com seus tons de marrom, vermelho e amarelo, não haviam plantas ou animais e parecia que as rochas eram os novos senhores daquele mundo, mas só pareciam, Sion sabia muito bem o que temer de verdade e mesmo que ele soubesse que ia se arrepender depois, tomou coragem e olhou para cima avistando aquele céu nublado e alaranjado, como se um dos infernos tivesse vindo de cima e não de baixo, e seu horror se tornou completo quando ele viu o grande e colossal buraco que atravessava as nuvens como um dardo de besta a uma armadura. Os céus estavam silenciosos agora, mas ele sabia que não ia ser assim por muito tempo.
Quando se deu conta Sion estava sentado, e aproveitou a oportunidade para tirar a espada e o escudo das costas, a armadura de couro por baixo das vestes deixou o movimento um pouco incomodo, mas ele sabia que com aquele mundo naquele estado o desconforto valia a pena. Quando atirou o escudo para o lado avistou o brasão vividamente, a mão segurando um raio, o símbolo da ordem dos nobres cavaleiros de Serana, o que o fez lembrar de outros tempos, tempos melhores, tempos em que ele havia jurado defender algo perdido, e ser portador da esperança onde quer que fosse. "Tolice" pensou o cavaleiro espantando a sensação estranha que sentia.
Quando Sion estava prestes a se levantar, avistou um grande escorpião próximo de sua mão e nesse momento seu instinto falou mais alto, agarrou o animal com voracidade e o devorou em segundos, era a primeira refeição em quase uma semana, em seguida pegou seu cantil e bebeu o último gole de agua e mandando tudo para dentro, concluiu que sua sorte tinha acabado ali, recolheu suas armas e continuou seu caminho.
O cavaleiro continuou fazendo a única coisa que sempre fez desde que o mundo acabou, andar, mesmo que sem proposito, mesmo que sem destino, e naquela solidão infinita sua mente nada tinha além de memórias de fatos passados. Sion tentava se lembrar do que havia acontecido, ou de a quanto tempo havia acontecido, ele sabia que tinha as respostas ainda que não as lembrasse com precisão. "Será que estou enlouquecendo?" pensou ele. O homo passou a mão pelo rosto que mais parecia um lixa devido a desidratação e a barba por fazer e se lembrou que a muito tempo um grande mal que sua ordem devia enfrentar se revelou, e que na batalha final ele sabia que não havia como vencer e por isso foi embora, que mal era esse, de onde ele veio ou a quanto tempo foi aquilo ele não sabia dizer mas subitamente Sion começou rir.
-Hahahaha! Idiotas, eu disse... eu disse que iam todos morrer!
O homem pareceu surpreso com o som da própria voz, ela havia cortado o som do vento como uma faca quente corta a manteiga.
Sion sabia que já iria anoitecer, assim como sabia que devia se esconder embora não lembrasse de que, ainda assim seguiu seu instinto e começou a procurar algum lugar. Deviam ter se passado suas horas, talvez mais, quando o cavaleiro achou uma pequena grita entre algumas pedras onde um homem adulto poderia passar a noite se conseguisse se encolher, e foi o que ele fez. Tirou as remas das costas com cuidado e as pousou com a delicadeza de uma mãe com seu bebê do lado do buraco, depois tirou as botas e começou a massagear seus pés completamente cheios de bolhas, ele sentiu dor, mas a dor era uma coisa da qual já estava acostumado, afinal se tinha uma coisa que ele ainda lembrava da ordem era que se você sente dor é porque está vivo. Já estava completamente escuro e embora sentisse um pouco de frio, Sion não se atreveria a tentar fazer fogo ali mesmo que fosse possível, entçao se encolheu e deixou que o som do vento o ninasse como uma criança.
No meio da madrugada Sion acordou, não pelo som, não pela luz, e sim pelo cheiro, naquele mundo haviam dois cheiros que Sion conhecia muito bem, o primeiro era o cheiro da morte, esse era possível sentir em todos os lugares, já o segundo era o de enxofre, esse aí costumava vir antes do cheiro da morte, Sion sabia bem o que o cheiro de enxofre queria dizer então silenciosamente esticou a mão até a espada, puxou-a para junto do peito e a segurou como se fosse um objeto sagrado. Sem se dar conta ele havia feito duas das três rezas primordiais de um cavaleiro, mesmo que ele tivesse sem sucesso lembrar de partes de uma no dia anterior. O cavaleiro ficou em silêncio, quase imóvel se não fosse a sua tremedeira e ao longe viu as silhuetas, eram três deles, todos com dois metros de altura em média, seus corpos eram cinzentos e magros, suas mãos não terminavam em dedos e sim em garras que arrancariam as vísceras de um homem em um piscar de olhos, tinham asas como as de morcego que se abertas alcançariam uma envergadura de quase três metros, chifres do tamanho de um antebraço e grandes presas. Mais uma o treinamento da ordem emergiu instintivamente de Sion e ele identificou os demônios como gárgulas, eram demônios inteligentes mas nada altos na hierarquia da espécie.
-Irmão, eu senti o cheiro vindo daqui! – Falou um deles com uma voz que parecia um rangido de porta.
-Como da última vez que você disse que tinha achado muita carne e só encontrou um filhote de humano? – O segundo tinha uma voz mais grossa e parecia ser mais velho, se é que isso fosse possível.
-É verdade irmão, aquele era tão pequeno que só me deu mais fome! – Esse terceiro Tinha uma voz ainda pior que o primeiro.
Sion ouvia tudo sentindo seu coração bater cada vez mais alto e disparando completamente quando ele notou que as criaturas se dividiram procurando por ele. Foram os cinco minutos mais lentos e agonizantes que já passara em tudo que conseguia se lembrar em sua vida. Um deles havia parado do lado da gruta farejando ruidosamente e por pouco o cavaleiro não o acertou na perna com a espada, mas se deu conta de que esse plano não daria em nada e correu o risco que para sua sorte valeu a pena quando a criatura se afastou.
-Eu lamento irmãos, eu devo ter me enganado! – Lamentou o demônio.
-Ha, eu sabia, vamos logo embora daqui então!
O trio então abriu suas grandes asas e levantou voo, o cheiro de enxofre permaneceu no ar por mais uns quinze minutos e então desapareceu por completo, só depois de mais meia hora Sion conseguiu voltar a mexer o corpo e viu que começava a amanhecer, ele então se arrastou para fora da gruta, tirou a areia e a terra que haviam entrado em suas armadura, colocou as armas e viu o nascer dos dois sóis através das nuvens e se perceber disse em voz alta:
-Acordar e sobreviver...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Pequenos contos...
FantasyOlá pessoal! Aqui eu tenho um projeto um pouco diferente, são pequenos contos que eu vou lançando contando pequenas histórias, narrativas ou apenas algumas pequenas ideias que eu ando tendo e queria compartilhar com vocês. Todas os textos que pr...