Único

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   Eu estava rolando na cama enquanto todas as outras meninas estavam dormindo tranqüilamente. Já tinha acabado de ler o livro Memórias de Sherlock Holmes, e tentava ainda aceitar o fato de que Holmes havia morrido.

   Com um suspiro eu peguei a lanterna na cômoda ao lado de minha cama e me levantei da mesma, enfiando os pés em minhas pantufas. Caminhei em direção a porta do quarto. Hesitei antes de abri-la. Eu precisava de um novo livro para ler, mas e se a Sra. Linette estivesse zanzando pelos corredores como sempre? Olhei para o livro em minha mão e abri a porta, decidida. Eu não aguentaria mais um minuto sem ler algo.

   Desci as escadas de madeira sem fazer barulho, atravessei o corredor  escuro, iluminando-o com a lanterna. Entrei na biblioteca, um lugar enorme por sinal, e apaguei a lanterna. A biblioteca era o único lugar do orfanato que ficava com as luzes acesas durante a noite. Aquele era, sem duvidas, o meu lugar preferido. Eu adorava o modo como os livros se distribuíam nas estantes de madeira, adorava deslizar no chão de madeira, adorava descobrir sempre um livro novo, explorar novas estantes... cada canto daquele lugar me fazia sentir bem.

   Caminhei em direção a área de mistérios, coloquei Memorias de Sherlock Holmes na prateleira e procurei por algum livro de Sherlock que eu não tivesse lido. Corri os dedos pelos livros e...

   - O que vamos fazer? - Ouvi uma voz perguntar. Era uma voz feminina suave e decidida ao mesmo tempo.

   - Eu não sei - respondeu uma outra voz, dessa vez masculina.

   Caminhei em direção as vozes e escondi-me, afim de ouvir melhor, guardando a lanterna em um bolso do meu pijama, que por ser pequeno demais, deixava uma grande parte do objeto fora. Pude perceber os portadores das vozes. Um homem alto usando um terno marrom com riscas de giz e um sobretudo de cor marrom-claro. Uma gravata azul em seu pescoço e um All Star vermelho, surrado estava em seus pés. Seus cabelos eram castanhos e estavam arrumados em um topete meio bagunçado e ele possuía costeletas bem feitas. Ele era extremamente lindo e algo nele me lembrava Sherlock.

   A mulher era bonita. Linda, na verdade. Seus cabelos loiros e lisos estavam soltos. Ela usava uma calça jeans justa que valorizava seu belo corpo e uma jaqueta de couro azul escuro.

   Eu nunca tinha os visto. Eles não eram funcionários do orfanato, tão pouco da direção e nem sequer se cogitaria a possibilidade de serem um casal que gostaria de adotar alguém daqui. Além de nós recebermos pouquíssimas pessoas afim de adotar alguma de nós, pelo fato da maioria das órfãs deste lugar serem maiores de 12 anos, o relógio de ponteiro preso na parede indicava ser duas da manhã. Por Deus, o que um casal faria aqui às duas da manhã?!

   Pensei em ir até eles e questiona-los, mas antes que eu pudesse fazer qualquer movimento ouvi um estrondo como o de livros grossos caindo no chão em outra parte da biblioteca e o casal se assustou, assim como eu. Eles se entreolham e o homem colocou o indicador sobre os lábios, e a mulher assentiu, entendendo que ela deveria fazer silêncio.

   Ele pegou no bolso do sobretudo um objeto engraçado. Era cinza, fino como uma caneta e tinha na ponta uma luz azul. O homem acionou aquele objeto e ele fez um barulho estranho e levemente irritante. Ele caminhava e apontava o objeto para os lados, como se fosse algum tipo de arma letal. A mulher o seguia, em silêncio e a passos curtos.

   Os acompanhei de longe, os olhos vidrados neles. Eles chegaram a área de livros escolares. Prateleiras repletas de livros enormes, e dicionários. Fui os acompanhando de longe, até que chutei algo. Um caco de vidro. Uma trilha de cacos de vidro se formava no chão e, curiosa, deixei de segui-los e passei a seguir a trilha de cacos. Cheguei à janela da biblioteca, uma janela enorme que cobria grande parte da parede. Uma parte significativa da janela estava quebrada, e imaginei que isso se devia ao fato de uma cabine policial azul dos anos 60 ter ultrapassado os vidros.

Um Conto De Doctor WhoOnde histórias criam vida. Descubra agora