Capítulo 1.

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Beatriz.

Canso de andar de um lado ao outro pelo meu quarto e paro próximo à cama. Deito-me na mesma e observo com preguiça, o resto da bagunça que ainda tenho que ajeitar.

Largada, a gravidade resolveu jogar seu peso todo sobre mim e depois de coçar o nariz irritado por causa da poeira, tento, inutilmente, reunir forças para levantar, mas no fim... Eu desisto de arrumar o quarto e de sair da cama.

Bem... Eu tenho desistido de muitas coisas com a mudança da minha vida de uns tempos para cá, e estou quase desistindo de mim mesma.
Se bem que morar na mesma casa que nasci e cresci não ajuda muito. Tudo me faz lembrar memórias antigas com minha família, e todas me deixam para baixo, porque sei que nunca poderei ter aqueles momentos de volta.

Acho que estou em estado de tristeza profunda novamente. Fiquei muito tempo assim depois da morte dos meus pais. Eu era uma criança saudável e feliz e sofri muito com aquele momento. Mesmo sendo poupada - por minha tia e meu irmão - de saber como realmente eles se foram, a crueldade do mundo se tornou visível ainda quando eu era muito jovem e, por pouco, quase perdi o resto da minha infância e o início da minha adolescência, se não fosse pelos vivos que ainda me amavam.

Minha tia Melinda se mudou imediatamente para nossa casa quando eu completei meu oitavo aniversário, no tempo que o meu irmão tinha 15 anos. Ela alimentou meu estômago com sua deliciosa culinária, e minha mente com estudos e também estórias inventadas que mantemos em segredo do governo... Também alimentou o meu coração, com toda a educação, carinho, afeto e amor que a minha tia, no papel de mãe, diz termos herdado da genética passada.

Já meu irmão mais velho, Hummot, me ensinou a ter coragem, a ter determinação, dedicação, objetividade e exatidão... me ensinou a continuar em pé nos momentos difíceis e também a chorar sem medo. Me ensinou a saber um pouco mais em cada segundo e fazer o bem aos meus olhos, escolhendo me machucar do que machucar os outros.

Em dois anos, ele me ensinou isso e muito mais enquanto estudava as teorias dos nossos pais e tentava concluí-las. Hummot passava a maior parte da semana trancafiado no quarto e nos fins de semana se fazia mais presente, tornando cada segundo mais memorável para mim.

E foi nesse período, quando ele completou 17 anos, que conseguiu, com muito esforço, começar a trabalhar como inventor, químico e patrulheiro na Patrulha dos Não Habitantes - ou P.N.H - como todos costumam chamar.

No tempo eu tinha 10 e era muito nova para ser uma, mas o amor com que ele trabalhava, me despertou uma vontade de ir com ele para ver o que existe além da muralha, e me tornar como ele.

Hummot era bom em tudo que fazia, com nulas falhas... Sempre agradou a todos, ajudando-os com conselhos ou treinamentos. Dedicava-se 50% ao trabalho, e 50% a si mesmo, a família e aos amigos. E sem surpresa alguma, ele cresceu se tornando destaque como melhor técnico e inventor, como nossos pais eram.

Passei meus olhos sobre a janela embaçada, perdida em meio aos mesmos pensamentos empoeirados, enquanto meu quarto continua desarrumado e a ilha morre aos poucos e muitos.

Recém-grudado atrás da porta, observo o desenho da ilha, que minha mãe fez e usou para me auxiliar quando me explicou sobre a geografia da ínsula. Cada traço foi perfeitamente copiado da realidade. Ela sabia desenhar muito bem, tanto que a estética dos projetos eram todos feitos por ela.

Suas mãos eram macias com dedos largos e finos. Sua pele pálida combinava perfeitamente com seus curtos cabelos castanhos claros, quase sempre bagunçados ou presos com seu transferidor... Seu rosto era oval, com um sorriso largo de orelha a orelha e os olhos eram pequenos e escuros. "A única mulher que conseguiu me distrair das máquinas e dos cálculos apenas com o olhar" - meu pai dizia.

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⏰ Última atualização: Jun 03, 2018 ⏰

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