Capítulo 4

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Uma noite nunca me pareceu tão longa, mas aquela foi e, não pude me impedir de questionar mais tarde se a demora na passagem do tempo não tinha algo a ver com o que aconteceria naquele dia.

De certa forma foi o dia mais catastrófico da minha existência, no entanto, analisando de outro ângulo, foi como uma benção para mim, afinal, aquele foi o dia em que definitivamente parei de pensar na morte como uma solução para minha vida sem sentido.

Como um estranho presságio, acordei com a voz daquela garota, Robyn. Era estranho ter a presença de outra garota por perto. Haviam se passado tantos meses desde que saímos da nossa terra e desde então, eu era a única garota.

– Há um lago – disse a garota. – Caso você queira aproveitar um pouco de água fresca. É só seguir por ali.

Olhei para o lugar onde ela estava apontando. Havia uma trilha no meio de uma vegetação rasteira e amarelada indicando o caminho a seguir.

Esperei que Robyn se afastasse e então tomei o rumo do lago após pegar uma muda de roupas limpas. Levando em conta que levantaríamos o acampamento em breve e encontrar outra fonte de água poderia demorar um pouco, eu não podia me dar ao luxo de desprezar um banho no lago.

Não foi difícil encontrar o lago, era pequeno, mas sua água era tão cristalina que era impossível passar despercebido. Apesar da aparência quase divina, não me iludi, como tudo no mundo, aquele lago estava com toda a certeza contaminado pela radiação, tanto que eu não poderia sequer encontrar um único ser vivo dentro dele.

Felizmente – ou não –, nós já vivemos tantas décadas em meio a radioatividade que nossos corpos podem suportar até certo nível sem que nada de tão grave ocorra. O que não foi exatamente o meu caso quando nasci.

Eu não podia ver as cicatrizes, mas sabia que elas estavam lá. Conseguia senti-las quando tocava minhas costas, até mesmo por cima da roupa, e embora elas me acompanhassem desde que nasci, ainda era muito incômodo dividir minha existência com algo tão... feio.

Entrei no lago ainda vestida, jamais arriscaria ser flagrada com as calças na mão – ou neste caso, sem as calças.

A água do lago era tão clara que me permitiu ver meu reflexo com certa clareza, algo que eu já não via há um longo tempo. O rosto que eu vi tinha olhos grandes cor de ocre, combinados com cabelos castanho-escuros e uma pele pouco bronzeada pela sol de cada dia. Novas sardas povoavam minhas bochechas e meu nariz e abaixo estava uma boca pequena, levemente carnuda e rosada.

Eu não parecia tão cansada por fora quanto estava por dentro, também não parecia a mesma garota de um ano atrás.

Afundei na água refrescante e quarenta minutos depois, enquanto eu descartava minha camiseta velha agora molhada e a substituía por uma seca, tive a definitiva constatação de que eu não estava mais sozinha. A primeira coisa que fiz foi esconder as marcas, por algum motivo elas pareciam ser um estranho símbolo de vergonha. Depois peguei minha faca presa ao meu cinto, pronta para defender minha honra ou para enfrentar um canibal.

Nada nunca pareceu-me tão condenável quanto a presença do Alden naquele momento, talvez eu soubesse o que iria acontecer depois disso e talvez tenha sido esse saber que me impediu de voltar para o acampamento enquanto ainda era seguro, pois eu ainda não tinha feito nada tão errôneo, além de pensar nele. Muito.

Só de olhar para ele, constatei o que ele havia visto. Me senti mais do que extremamente desconfortável com isso e evitei seus olhos com a desculpa de colocar a faca novamente no lugar, a menos que ele fizesse alguma besteira, nesse caso seria melhor manter a faca por perto.

– Você está desconfortável. – Apesar de claramente não ser uma pergunta, Alden esperava uma resposta.

– O que você está fazendo aqui? – questionei com o tom mais zangado que o habitual.

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