Capítulo 2

35 6 5
                                    

- Desculpa.- Falei automaticamente.

- Não se preocupe, eu que devia ter sido mais cuidadoso.

Percebi o olhar cansado de Fausto, mas como aquilo não dizia respeito a mim, comecei a me afastar. Me despedi de mais algumas pessoas no caminho até a porta, ao chegar na calçada, quando estava prestes a atravessar vi o chão se aproximar do meu rosto até que eu estava estatelada quase no meio da rua. Apesar de não ter batido com a cabeça, com certeza machuquei minhas mãos ao tentar me proteger do impacto. Olhei para onde eu estava em pé instantes antes e o salto da minha sandália estava preso numa rachadura na calçada.

- Brilhante. - Falei, novamente de mal humor. Era um salto tão bom de usar, e levando em consideração que estou focando mais nas contas que em novas aquisições a quantidade de sapatos em bom estado na minha sapateira estava ficando escasso.

Comecei a arrumar a bolsa no ombro para me levantar quando levei um susto, uma mão estava bem na minha frente para me ajudar a levantar. Como se não bastasse cair igual um saco de cimento eu tinha que ter espectadores. Oh vida.

- Tudo bem com você, Ju?

Agradeci pela ajuda assim que levantei, limpando a terra da minha bunda.

- Meu salto ficou preso naquela droga de rachadura. Se já não bastasse... - Parei de reclamar ao lembrar que ele não era um ombro que eu pudesse jogar minhas mágoas. Fausto não passa do amigo bonitinho que meu irmão vivia grudado. - Me ignora, eu não estou de bom humor hoje, só isso.

Me abaixei para pegar o bendito salto preso no chão e consegui na segunda tentativa, ao voltar a minha posição inicial vejo que Fausto sorria para mim.

- O que foi? Falei alguma coisa engraçada? Ver como estou está te divertindo?

- Desculpe, não é isso, é só que Bruno estava certo, quando você está de TPM é a garota mais inconstante que já vi.

Revoltada por ele estar, sim, se divertindo às minhas custas mesmo dizendo o contrário sai batendo o pé na direção de casa. Infelizmente não foi bem como eu quis porque eu parecia uma idiota mancando com um salto no pé esquerdo e o outro sem. Ele provavelmente estava segurando uma gargalhada, mas não quis olhar para conferir, andei mais alguns passos quando ouvi a BMW ligar e logo vejo andando devagar ao meu lado, mas foi devidamente ignorada.

- Eu sei que é perto, mas deve ser ruim andar assim, não quer uma carona?

- Estou bem. E minha casa é logo ali.

- Vamos Julia, eu só quero te deixar em casa.

Já sentindo a coluna reclamar com os passos irregulares dei a volta no carro e sentei do seu lado em silêncio com os braços cruzados,

- Sabe, eu não sou o bicho papão.

- Sei e mesmo se você fosse, não tenho medo desse babaca.

Agora sim ele gargalhou enquanto dava partida com o carro.

Parei para reparar que esta era a primeira vez que eu entrava no carro dele sozinha, todas as vezes em que peguei carona com Fausto, pelo menos meu irmão estava presente.

Chegava a ser chato ver os dois andando pra lá e pra cá todo dia, desde o primeiro dia de Fausto na escola no ensino médio. A partir daí os dois fizeram faculdade juntos, Fausto levava Bruno para as casas que ele tinha espalhadas pelo Rio de Janeiro nas férias de fim de ano, chegavam até a combinar quantas mulheres cada um "pegaria" na noite. E isto foi o que eu sempre reclamei com meu irmão, apesar dele tratá-las bem, ele via as mulheres como objetos sexuais e não se aprofundava em nenhum relacionamento saudável.

Pelo menos agora meu irmão estava salvo dessa vida leviana.

Fausto era um pouco ainda mais complicado, meu irmão tem a beleza ao seu favor, Fausto além da beleza possui o dinheiro. Não conheço muito bem a história dele, sei que o pai mora em São Paulo enquanto sua mãe viveu por muitos anos no Rio e graças a ela possuía a fortuna que hoje ele gerencia, devo dizer que bem. Na época, ouvia apenas alguns papos dele com meu irmão e descobri que sua mãe tinha morrido de câncer há uns 6 anos e ele herdara tudo.

Hoje é CEO de uma empresa de segurança que parece crescer a cada dia. Bruno sempre me liga entusiasmado com sua nova vida na Itália, mas ele ainda está muito preso aqui graças ao trabalho com Fausto.

Quando chegamos na festa, mais cedo, ele interrompeu uma pergunta e meu maior medo era que ele continuasse o assunto agora. Mas ao invés disso, ele começou um outro.

- Fiquei sabendo que você está procurando emprego, se quiser pode deixar alguns currículos comigo que eu deixo em alguns lugares que sei que você se sairia bem.

- Agradeço sua preocupação, mas eu vou conseguir alguma coisa, na verdade semana que vem começo..

- Notícia ótima, fico muito feliz em saber, parabéns.

Ficamos um tempo em silêncio e na hora que ele estacionou o carro em frente a minha casa eu disse:

- Sã e salva. Obrigada. - Não lembrava de ninguém que me fazia ser tão monossilábica quanto ele.

- Nada, mas você devia andar menos sozinha a essa hora da noite, não acha?

- E quem foi que te promoveu a "pai da Júlia"?

- Não quero me meter na sua vida, mas como seu irmão não está mais aqui...

- Fausto lindo do meu coração - dramatizei bem descaradamente - Com Bruno ou sem Bruno eu posso me virar. Não me confunda com o nível de Q.I feminino que curte.

- Acho que me sinto responsável, como um irmão mais velho.

Irmão mais velho? Ahh, me poupe. Não sei se foi a TPM, se não fosse, ainda sim seria a culpada, mas fiquei realmente irritada com o fato dele me enxergar como uma irmã.

Como? Se ele nunca trocou mais que algumas palavras comigo? E provavelmente por ser a irmãzinha do amigo. Por não querer estragar a amizade ou porque tinha medo do que Bruno faria com ele, porque um homem como Fausto nunca passaria pela inspeção de Bruno.

Confesso que após o meu término turbulento há quase dois anos ele passou a ficar no pé de cada cara que aparecia na minha vida.

Por um impulso que não sei de onde veio, peguei-o pela gravata que ainda permanecia impecável em seu pescoço e nossos rostos ficaram a centímetros um do outro. Logo o ar dentro daquele carro fechado mudou, senti sua respiração ficar irregular e ao perceber que eu tinha certo poder sobre ele me senti ainda mais divertida ao descer uma das minhas mãos pelo seu peito, barriga e ao me aproximar o máximo possível de seu centro, desço minha mão pelas suas pernas abrindo um pequeno sorriso ao reparar que o volume de sua calça havia aumentado consideravelmente. Levei minha boca para perto de seu ouvido e tentei sussurrar da forma mais sensual que eu conseguia. Poderia não dar pro gasto, mas mesmo assim eu tentei.

- Coloque uma coisa nessa sua cabeça, nenhuma gota de sangue que agora está visivelmente se deslocando para uma área específica do seu corpo corre nas minhas veias queridinho. - Mordi o lóbulo de sua orelha e quase ri quando o ouvi soltar o ar pela boca com um quase gemido. - Não venha bancar o irmão mais velho comigo porque você nem se aproxima disso.

Me afastei como se os últimos segundos nunca tivessem acontecido, abri um sorriso e agradeci pela carona.

Saio do carro, mas não antes de gravar a imagem de Fausto desnorteado e sem reação pela primeira vez na minha presença.

Dama de Copas (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora