Quem eu sou?
Ser trans não é sobre querer brincar de carrinho. É sobre, desde os mais tenros anos, se perguntar o motivo de seu corpo ser diferente de como você pensa que ele deveria ser.
Ser trans não é sobre querer andar sem camisa. É sobre a puberdade chegar e, com ela, todas as dores de um simples banho se acumularem em seu corpo que, agora mais que nunca, te machuca e não te pertence. É sobre olhar peitos crescendo onde não deveriam estar, e torcer pra estar num maldito pesadelo todos os dias. E querer cortá-los a todo momento quando percebe que não é um sonho ruim, e sim uma péssima realidade.
Ser trans não é sobre usar roupas fora do padrão binário. É sobre como você se vê quando está nu. É sobre tudo o que falta e tudo o que sobra na frente do espelho. É sobre tudo piorar naquela semana do mês, é sobre sangrar diariamente, e querer parar de sofrer.
Ser trans não é sobre não se depilar. É sobre, mesmo não se depilando, ver que os pêlos que você quer se negam a crescer. E esperar ansiosamente. E comemorar cada penugem. E chorar quando se é obrigado a raspá-las.
Ser trans não é sobre invejar o privilégio masculino. É sobre se perguntar e perguntar para o Universo, pra Deus, pra Oxalá, pra os Exus e pra tudo quanto existe o motivo pelo qual você simplesmente não nasceu normal. E não por privilégios rasos, mas pela sua existência.
É sobre nunca, em quase 30 anos, ter se visto no espelho. É sobre querer morrer (desculpem...) a cada "ela", "dela", "senhora". A cada burocracia que se enrosca. A cada dinheiro que não se tem. A cada laudo necessário. A cada dia, mês, ano sem hormônios. É sobre ser taxado por um CID, que puxa mais um CID, e mais um, e mais um...
É sobre não se achar suficiente. É sobre pensar que ninguém merece o fardo de estar perto de você e, inconscientemente, dar motivos a todos para que te deixem, te larguem como o incompleto que você é.
Ser trans é sobre luta. Crises, choros, vômitos, vergonhas, filas, seringas, agulhas, navalhas, tesouras, facas. É sobre um paradoxo no qual o que você mais deseja é um dia existir e se enxergar, enquanto deseja sumir a cada dia que isso não é possível.Eu sou Rycardo Alexandryno Barbosa Correia
Eu sou trans
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Diário de um Homem Trans
Nonfiksi"Ainda lembro o dia que mim descobri homem Trans ficou tudo confuso não sabia mais quem eu era nem pra que vim ao mundo"