Madalena era mais do que uma mulher, ela era um rio.
Ondulava pelas nossas vidas voluvelmente, brilhava no nosso horizonte por um tempo e, antes que pudéssemos notar, ela já tinha ido embora e nos deixado com a sensação de que algo passou por ali. Esse algo nem sempre era Madalena, ás vezes era o agridoce gosto da tristeza.
Madalena não se escondia através de nada ou ninguém, seu batom vermelho sangrento era visto por tudo e todos, era difícil imaginar que a mulher atrás dele passasse despercebida. Mas, astutamente, Madalena se escondeu através da beleza. Beleza pura que esconde como uma cortina a devastação que a dor deixa no coração.
Eis então, beleza não salva. Beleza esconde. Beleza aprisiona e a solidão mata. Tinha muitos conhecidos, sempre era vista com algum deles, mas na verdade apenas duas amigas. Solidão e Amor lhe perseguiam como abutres perseguem a carniça. Madalena ainda estava viva e sua pele cheirava á tristeza. Leve e solene, quase impercebível, levemente confundível com cansaço. Tristeza.
Nunca se viu no brilho dos olhos baços da morena a mais leve indicação de desistência. Entre canções de Jobim e Arias de Mozart, ela seguia em frente. Não se sabe bem porque a tristeza se implantou naquele olhar.
Se vira a morte lhe espreitando a esquina ou a roubar um irmão, ninguém sabe.
Se o olhar se acostumara a tristeza do mundo, também se especula.
O que se sabe é o que se vira; e de Madalena não se vira nada.
Madalena sorria com os dentes brilhando, o batom vermelho regando o mundo com a sua luxuria. Uma cor, um encanto. A luz da manhã brilhando no horizonte. Então, tão espontânea e inesperadamente que se mostrava, o momento ia como água escorrendo na pia e logo o que se tinha nas mãos eram gotas de memórias que logo se iriam também.
Era fácil se perder na melodia de Madalena. Ma-da-le-na, suas silabas sendo pronunciadas aos saltos da língua na boca, assim como o coração do orador pula no peito quando vê a musa se aproximar.
O coração da musa, de qualquer forma, já não pula mais. Não bate mais. Não se move mais. O coração da musa espera e pelo o quê se espera não se sabe. Sabe-se apenas que as vezes via-se a sugestão de surpresa no fundo dos olhos, que eles queimavam lentamente ao observar o pôr do sol como uma chama que se acabava, e que as vezes, só as vezes, Madalena via no horizonte algo que a fazia suspirar.
O que lá existia, além do céu? Não lhe cabe a mim perguntar.
Com Madalena morreu o segredo. A palavra sagrada guardada no coração que como um baú a protegia cuidadosamente.
Um dia desses, no passado, vi o sorriso dela brotando lentamente. Havia algo triste nele, mas era um sorriso. E, assim, moldurado por aquela face e os seus fios negros, parecia que tinha visto o arcanjo. Ela estava encostada na janela, olhando pro horizonte, como sempre, quando o ocorrido tomou parte.
Seus olhos amendoados brilharam, sua boca se contorceu em um sorriso e logo Madalena tinha se escondido atrás da janela fechada. Alguns dias se passaram até que notara-se algo de errado, seu rosto tinha parado de adornar os corações dos vizinhos, Madalena tinha sumido.
Quando a encontraram, dormindo tão serenamente, a boca escancarada e o rosto escondido dentro do forno de casa – cujo gás acabara em algum momento – mal se podia acreditar. A boca antes de aparência tão macia, agora se apresentava vermelha e alquebrada, com pequenas rachaduras se formando nos lábios. Rachadura essa que foi partilhada por todos os seus admiradores.
Madalena era rio e sem ela, o mundo era deserto.