A Morte de Kit Armstrong

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Sabe aquela sensação que se tem quando você está prestes a encontrar uma pessoa que não vê há muito tempo?

Pois bem.

Eu não sabia o que esperar realmente daquele encontro, ainda mais quando ele foi marcado tão em cima da hora. Pensando melhor, acho que nem mesmo tinha palavras para oferecer. Quero dizer, meu amigo Kit sempre soube que eu não era daquele tipo de pessoa que costuma sair para beber e conversar até tarde. Para começar, não curto álcool. E depois, podemos muito bem conversar em horários mais convenientes. Digo isso porque eu estava jogando on-line num campeonato de um jogo chamado League of Legends — ou simplesmente "LoL". Quando eu me vi sentado na mesa do restaurante a dois quilômetros da minha casa, eu não pude acreditar em mim mesmo. Eu abandonei o meu time no meio do campeonato! Como eu pude fazer isso?!

Talvez as palavras de Kit tenham causado certo impacto em mim. O que ele tinha me dito mesmo? "Preciso falar contigo, cara. É caso de vida ou morte." É... Eu não podia ignorar um pedido como esse. Eu sempre achei Kit dramático, mas desta vez havia algo de sério e racional na sua voz. Por isso que, depois de uns instantes de hesitação, eu desliguei o computador, vesti uma camisa e fui ao local marcado.

Quando eu cheguei ao restaurante ele ainda não estava lá. O lugar estava lotado de gente conversando alto, e somente depois de encarar uma travessa cheia de yakissoba eu percebi que estava com muita fome. Mas mesmo assim eu resolvi esperar um pouco, porque eu gosto de conciliar o prazer de comer ao prazer de fazer algo interessante. Procurei uma mesa nos fundos, onde havia menos pessoas. Uma só mesa das quatro que preenchiam o espaço estava ocupada por uma mulher bastante concentrada no celular. Puxei uma cadeira da mesa à frente e me sentei. Enquanto eu esperava, meu cérebro divagava sobre como eu estaria me divertindo se estivesse em casa. "Ainda vai dar tempo de começar outra partida quando eu voltar", pensei otimista. Depois de quase meia hora tentando decidir se o melhor era jogar com Rengar ou Darius, e, ainda, se deveria cobrar a Kit cada skin que deixei de ganhar, ele finalmente apareceu debaixo do portal de madeira.

Não pude deixar de ficar feliz em vê-lo. Depois da escola cada um seguiu o seu caminho, e a faculdade tomava o nosso tempo de maneira sufocante. Por causa disso, já fazia alguns meses que não nos víamos. Ele acenou para mim de longe e veio caminhando até a mesa. Vestia uma camisa azul, jeans, e um par de chinelos. Estava quase igualmente vestido como eu, com a diferença de que a cor da minha camisa era preta.

"E aí, Philip?", cumprimentou ele, sentando-se diante de mim.

"E aí, velho? Quais são as novidades?", perguntei. Essa foi a minha maneira de tentar ir direto ao assunto, mas sem parecer apressado para encerrar logo a conversa. Acho que tive um bom resultado, porque ele disse:

"Então, cara. Desculpa mesmo por ter te pedido pra vir aqui tão rápido. Mas eu não podia deixar pra outra hora, entende? Nem mesmo dizer pelo celular. "

"Eu entendo".

Ele me olhou fixamente nos olhos por longos segundos, como se quisesse extrair de mim qualquer informação com o poder da mente. Eu o encarei também. Após uns instantes de dúvida, ele enfim falou, de um modo displicente:

"Eu vou me matar".

Foi isso, apenas isso o que ele me disse. "Eu vou me matar". Falou com a naturalidade de quem comenta que vai assistir a um jogo de futebol. Dei uma risada.

"Não", eu disse, depois de parar de rir. "Você não vai se matar. Que conversa é essa, Kit?"

Ele me encarou novamente. Balançou a cabeça de um jeito típico dele, bastante teatral. Pensei se ele teria ensaiado toda a conversa.

A Morte de Kit ArmstrongOnde histórias criam vida. Descubra agora