É hoje que eu morro.
Olho o relógio pela décima vez no último minuto, como se isso fosse fazer o tempo milagrosamente passar mais rápido. Não vai, eu sei que não vai. Esse elevador demora desse jeito todos os dias ou hoje resolveu parar em todos os andares só para complicar ainda mais a minha vida? Espio o botão que marca o décimo segundo andar, piscando em laranja, rindo da minha cara, sem nunca chegar onde eu preciso.
Bato o pé contra o chão, nervosa, evitando olhar para o espelho às minhas costas. Não importa se estou descabelada ou se minha maquiagem borrou, não vou ter tempo de me arrumar.
Treze minutos atrasada. Não é tão ruim. Podia ser pior. Já vi gente sendo demitida por muito menos. Quero chorar.
Quando as portas de abrem, praticamente corro tentando me equilibrar sobre os saltos ridiculamente finos que resolvi usar hoje — o que leva alguém a comprar esses instrumentos de tortura e ainda pagar uma pequena fortuna por eles? Maldito código de vestimenta da empresa. Tudo que eu queria era poder vir trabalhar de chinelo. Isso é muito, muito injusto. Por que diabos a minha aparência importa se o meu trabalho está sendo bem-feito?
Apanho a pilha de pastas perfeitamente arrumadas em minha mesa e sigo para a sala de reuniões. Dezessete minutos. Eduardo está arrancando os cabelos por causa da ausência do seu irmão na administração da empresa e tem se matado para dar conta do trabalho dobrado, para que ninguém ache que a empresa tem uma liderança fraca. Não sei como era antes de eu trabalhar aqui, mas desde que fui contratada, alguns meses atrás, as coisas têm sido meio loucas e ele tem confiado a mim muitas responsabilidades. Definitivamente vou ser assassinada se eu tiver perdido alguma coisa importante nessa reunião. Ele vai fazer picadinho de mim. Senhor, me ajuda.
Me forço a desacelerar quando chego à sala, respiro fundo para disfarçar o nervosismo e abro a porta sem bater, tentando evitar de chamar atenção para mim. Não funciona. No momento em que entro no cômodo pouco iluminado onde uma apresentação de slides está acontecendo, todas as cabeças se viram em minha direção como se uma manada de elefantes tivesse acabado de invadir a reunião. Eduardo, de pé com sua já tão conhecida caneta laser apontando para a tela, me encara com olhos apertados, em uma expressão que deixa claro as perguntas não feitas. Onde você estava?
Cruzo a mesa ocupada pelos outros diretores da empresa, dirigindo-me à ponta onde as coisas de Eduardo estão e apanho a pasta que está aberta para começar a atualizar suas anotações. Quando me sento e meu querido chefe — que com a graça divina não vai me demitir hoje — continua sua apresentação, passo os olhos rapidamente pelo texto na tela apenas para me situar. Como fui eu que, obviamente, preparei o material, sei exatamente o conteúdo a ser apresentado e me limito a anotar as perguntas eventuais e comentários que são feitos.
Meu olhar se cruza com o de Priscila, a Relações Públicas da firma e uma das minhas melhores amigas. Ela ergue uma sobrancelha em minha direção, silenciosamente questionando meu atraso. Eu sei, não é do meu feitio, mas tive um motivo de força maior para me atrasar. Movo os lábios sussurrando que mais tarde explico e ela me encara por dois segundos a mais com aqueles olhos verdes intimidadores antes de voltar a prestar atenção em Eduardo.
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Conexão Cruzada [DEGUSTAÇÃO]
RomanceO que pode impedir o amor? Juliana sempre batalhou com unhas e dentes para chegar onde chegou: trabalhando em uma empresa em ascensão, com um emprego estável e muito bem pago, uma profissional exemplar que se vale de todo o tempo livre para mergulha...