CARTA DE UMA GAROTA SUICIDA

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Sinto o vento machucar minha pele. A janela da sala ficou aberta e o ar frio percorreu o corredor até meu quarto. A porta do mesmo está escancarada. Vou até o espelho do roupeiro e toco o vidro gelado. Respiro fundo, enquanto meu estômago queima pelos comprimidos ingeridos. Parece que a vida escapa de meu corpo a cada tic-tac do relógio na cabeceira da cama.

Meu peito custa a subir, pois o ar não quer mais entrar em meus pulmões. Sinto-os preenchidos por algo pesado, quase como se estivessem carregados por chumbo.

Nem mesmo as lágrimas querem descer. Estou fraca demais para chorar.

Me arrasto o mais rápido que posso até a garagem e pego algumas cordas velhas que deveriam ter sido descartadas há algum tempo, pois, aparentemente, não tinham mais serventia alguma. Até hoje.

Subo em um banco de madeira que costuma servir de apoio para nosso porta-retrato. Observo por alguns instantes a garota na foto que ali jazia. Ela era feliz. Agora ela só quer que a dor acabe.

A corda áspera arde em meu pescoço tanto quanto as aspirinas em meu estômago. Num último suspiro de vida, anseio por te ver de novo, mas é só um pensamento passageiro, pois no instante seguinte não existe mais nada na minha cabeça, exceto o desejo de viver. O desejo de ter apenas mais uma chance para ver o sol se pôr ou de ouvir uma onda quebrando na praia.

Meus olhos são apenas uma linha reta agora, e meu corpo apenas um peso-morto no meio do quarto de hóspedes.

A janela da sala continua aberta.

O vento sopra, fazendo minha pele arrepiar. Abro os olhos.

O gosto salgado do choro escorre pela minha boca junto com o rímel borrado. Inspiro. Expiro. Toco meu peito e agarro-me ao moletom. Toco de leve meu pescoço. Não existe corda alguma ali.Toco de leve meu estômago. Não há vestígio algum de remédio dentro dele. Levanto meu rosto e olho para o espelho.

É você.

Pensar em ti é um constante suicídio. E eu não posso morrer agora.

A janela da sala está aberta.

Uma Mente SuicidaOnde histórias criam vida. Descubra agora