filtrava mais viva na pupila negra; a mão tinha tais ímpetos nervosos que partia as penas escrevendo, e amarrotava a costura.
- Foi essa minha primeira travessura - me dizia ela contando as suas recordações de infância. Daí em diante a minha afouteza foi em progresso. Um ano depois o mato já não tinha segredos para mim; eu conhecia todos os trilhos e veredas, sabia onde estava a melhor goiabeira, o cajueiro mais doce, e o coco de indaiá, de que eu era muito gulosa! Eu mesma... O senhor acredita?... trepava nas árvores, pendurava-me aos ramos, e saltava pelas ladeiras as mais íngremes.
- E sua mãe consentia nisso? perguntava-lhe eu.
- Não consentia, não! Pobre mãe! Nunca ela o soube. Eu aproveitava as horas de estudo em que me deixavam só. A sala dava para o jardim; numa volta ou noutra eu ganhava a chácara, sem que me vissem. Demais, sonsa como era então, ninguém em casa podia desconfiar das minhas travessuras. Diante de gente tinha tal acanhamento que até já aborrecia. Minha mestra chamava a isso com muita graça a minha ferocidade caseira!
Fora assim, Paulo, que se formara essa natureza tímida ao mesmo tempo que audaz. Havia nela a transfusão de duas almas, uma alma de criança e outra alma de heroína. Só em face da natureza, a agreste poesia daqueles ermos comunicava com seu espírito e o enchia de arrojos admiráveis. Em presença de alguém a vida soldava-se no íntimo como num invólucro impenetrável; restava apenas na superfície uma sensibilidade irritável.
Com a idade essa menina assumira a pouco e pouco o governo despótico da casa e da família. Desde o pai até o último dos escravos todos lhe obedeciam cegamente. Ela recebia com gentileza de moça e dignidade de senhora a homenagem devida à superioridade do seu espírito.
Um dia, Emília, que já começara a frequentar a sociedade, surpreendeu sua alma triste e desconsolada no meio daquela velha habitação; pareceu-lhe isso um degredo dos ricos salões onde algumas noites se expandia a sua beleza.
Disse então uma palavra. De repente o feio edifício surgiu das ruínas maior e suntuoso, entre jardins, mármores e repuxos; foi coberto de vasos, pinturas e tapeçarias; encheu-se de ricas mobílias; teve grande trem, numerosa criadagem e serviço magnífico à europeia.
Um dos novos criados, que não me conhecia, levara meu cartão de visita. Esperando, eu observava pelas janelas, à luz frouxa das estrelas, os tabuleiros de relva e os alvos passeios que se recortavam na areia da chácara. Nada sabendo ainda, sentia em tudo quanto me cercava o tato delicado das mãos de Emília.
Ouvi perto de mim a voz do Sr. Duarte.
- Bem aparecido, doutor, nesta sua casa! Cuidei que estava mal com ela!
O negociante conduziu-me, através de grandes salas, que estavam acabando de decorar, a uma saleta do lado oposto do edifício.
D. Leocádia cosia junto à mesa; Emília estava ao piano; mas vendo-me entrar, levantou-se, correspondeu com a costumada frieza ao meu cumprimento, e foi recostar-se à sacada.
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diva
RomanceDiva narra a história de Emília Duarte. O narrador, em primeira pessoa, é o homem que a ama, Augusto Amaral. Emília é uma adolescente muito retraída e tem aversão a que estranhos a toquem. Uma enfermidade a leva quase à morte. É chamado um médico re...